Alta de mortes no trânsito mostra que não basta fazer carros mais seguros

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O aumento da segurança dos carros produzidos no Brasil nos últimos dez anos ainda não se reflete nos números de mortes no trânsito. A redução gradual dos óbitos chegou a ocorrer por um período, mas a tendência foi revertida nos últimos quatro anos.

 

Será difícil atingir a meta determinada pelo Pnatrans (Plano Nacional de Redução de Mortes e Lesões no Trânsito): diminuir pela metade o número ocorrências em um período de dez anos, contados a partir da entrada em vigor da lei, em 2018.

Naquele ano foram 33.625 óbitos causados por acidentes de trânsito, segundo informações do Ministério da Saúde. Em 2022, o número de mortos chegou a 34.892.

Os dados de 2023 ainda são preliminares, mas a última estimativa registra 34.810 mortes -e seria ainda pior caso os automóveis não tivessem evoluído em segurança.

“Medidas como a redução da velocidade, a otimização do desenho das vias, o uso de tecnologias inovadoras e o cumprimento rigoroso das leis desempenham um papel crucial na diminuição dos riscos de colisões e atropelamentos, contribuindo diretamente para um trânsito mais seguro”, diz Hilton Spiler, diretor de segurança veicular da AEA (Associação Brasileira de Engenharia Automotiva).

Para o especialista, as causas dos acidentes podem ser agrupadas em três fatores principais: as condições das vias, os usuários e os veículos. “De acordo com a OMS [Organização Mundial da Saúde], aproximadamente 90% dos acidentes de trânsito têm origem em falhas humanas, como distração, desatenção e erros de percepção.”

Essas falhas tornam-se mais perigosas em meio ao crescimento das vendas de motocicletas no Brasil.

De acordo com o Detran de São Paulo, o estado registrou 5.594 mortes no trânsito entre janeiro e novembro de 2024, um crescimento de 14,7% em relação ao mesmo período de 2023. Os motociclistas foram as maiores vítimas: 2.390 óbitos (alta de 19,3% nas ocorrências).

Em seguida aparecem as mortes por atropelamento de pedestres (1.273 mortos). Entre os ocupantes de automóveis que se envolveram em acidentes houve 1.232 óbitos.

A maior presença de motos nas ruas se deve principalmente ao crescimento dos serviços de delivery, que se consolidaram ao longo da pandemia de Covid-19. Os números de emplacamento dispararam nos últimos quatro anos, com destaque para os modelos de baixa cilindrada usados pelos entregadores.

A evolução da segurança dessas motocicletas de menor porte se resume a avanços nos sistemas de frenagem -e não é possível ir muito além disso, devido às características desses veículos, que custam entre R$ 9.000 e R$ 17 mil, em média.

Já os carros avançaram bastante nos últimos dez anos. Todos os automóveis produzidos no Brasil desde 2014 saíram de fábrica equipados com freios ABS (que evitam o travamento das rodas em frenagens de emergência) e airbags frontais.

A partir de janeiro de 2020, o controle de estabilidade se tornou obrigatório para carros zero-quilômetro, e há outros recursos de segurança sendo adotados em modelos de diferentes faixas de preço, até com uso de IA (inteligência artificial).

“É importante destacar os sistemas de segurança ativa, que incluem tecnologias como detecção de fadiga do motorista e monitoramento de pontos cegos”, afirma Victoria Luz, especialista em IA e consultora para negócios. “Esses recursos trabalham constantemente para prevenir acidentes, oferecendo respostas imediatas a situações de risco.”

Victoria menciona ainda tecnologias como o controle adaptativo de velocidade e o assistente de permanência em faixa. “Além disso, a análise preditiva baseada em IA permite identificar antecipadamente situações de risco e sugerir rotas mais seguras, considerando inclusive as condições climáticas e o estado de conservação das vias.”

A especialista, contudo, lembra que a eficácia desses recursos depende do preparo dos condutores. Esse é um problema destacado por Vinicius Braga, gerente de saúde, segurança e ESG da Patrus Transportes.

“A educação e a conscientização continuam sendo os desafios mais críticos. Mesmo com tecnologias avançadas, decisões humanas, como excesso de velocidade, distração ao volante e desrespeito às regras de trânsito, permanecem como as principais causas de acidentes. Um veículo moderno e seguro não compensa comportamentos de risco.”

Braga diz ainda que o envelhecimento da frota nacional, principalmente a de caminhões, contribui para o elevado número de acidentes no país. O fato de serem pesados contribui para danos mais graves, e essa é uma preocupação que se estende para veículos híbridos e elétricos.

“As baterias, por exemplo, são significativamente mais pesadas que os tanques de combustível tradicionais, o que pode impactar a estabilidade, o desgaste dos pneus e o desempenho de frenagem. Nesse sentido, avanços em materiais mais leves são essenciais para mitigar esses efeitos”, diz o gerente da Patrus Transportes.

Hilton Spiler, da AEA, afirma que os veículos híbridos e elétricos são frequentemente mais modernos e seguros do que os modelos anteriores movidos a combustão. Mas, sim, o peso extra é um fator de risco.

“Existe uma correlação direta entre massa/tamanho do veículo e a gravidade dos acidentes. No Brasil, veículos pesados, como caminhões e ônibus, são responsáveis por uma parcela significativa dos acidentes e mortes nas rodovias, mesmo representando uma pequena fração da frota total”, diz Spiler.

“Na malha rodoviária estadual de São Paulo, em 2023, mais de 70% dos acidentes envolveram automóveis e motocicletas, enquanto caminhões representaram 22% das ocorrências. Outros veículos, como caminhonetes, ônibus, bicicletas e demais categorias, somaram cerca de 6%”, completa o especialista.

Diante desse cenário, Vinicius Braga afirma que a renovação da frota é uma alternativa com efeito de longo prazo. “Veículos modernos não apenas trazem tecnologias de segurança embarcadas, como também são mais eficientes em termos de consumo de combustível, com menor impacto ambiental.”

 

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