SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – No início da emergência em saúde da mpox (varíola dos macacos), cinco macacos foram encontrados mortos no interior de São Paulo. A suspeita foi de que moradores mal informados teriam envenenado os animais para evitar a doença, como se esta fosse culpa deles.
Atualmente, com o surto de febre maculosa na região de Campinas (a 93 km da capital paulista), autoridades sanitárias temem o mesmo, principalmente, com a capivara, o principal portador do carrapato-estrela, que transmite a doença quando infectado pela bactéria Rickettsia rickettsii.
Segundo Marcello Schiavo Nardi, médico-veterinário da Divisão da Fauna Silvestre da Prefeitura de São Paulo, muitos animais podem ser os portadores dos carrapatos-estrela e não têm culpa disso. O culpado, aponta, é o próprio homem, que acabou com a floresta original e fez com que as capivaras entrassem em áreas urbanas.
“Essa relação do homem com o ambiente foi privilegiando uma espécie em detrimento de outras. As capivaras estão se beneficiando do nosso estilo de vida. A gente criou condições para ela, com plantações de cana e milho ao lado dos rios, que é o habitat dela. Os condomínios também se tornaram um oásis. Não têm predadores e têm muito capim. Por isso, as capivaras acabam proliferando. Enfim, a gente mudou tudo e tem de saber lidar com isso”, destaca Nardi.
A veterinária Alessandra Nava, pesquisadora de zoonoses da Fiocruz Amazônia, concorda. Ela afirma que o fim da cobertura de mata atlântica na região de Campinas é o grande motivo de a febre maculosa ainda fazer vítimas no Brasil. Isso porque acabou com o equilíbrio do bioma, eliminando a população de onças, os predadores naturais das capivaras.
“Essa doença ocorre porque há um desequilíbrio na biodiversidade. Essa proteção que a floresta nos provê não tem mais lá e sobrou um animal que é resiliente e que, infelizmente, tem essa competência de, se tiver a bactéria, ser um ótimo amplificador da doença”, diz Nava. “No Norte e no Nordeste não há casos, mas todo ano há morbidades nas regiões de Campinas, Piracicaba e Americana. E o que tem na Amazônia que não tem mais lá? A floresta. Acabaram com a mata atlântica com plantações de café e cana-de-açúcar.”
O veterinário da Prefeitura de São Paulo explica que existem três tipos de carrapatos-estrela no país. O da região de Campinas, o Amblyomma sculptum, na forma imatura, é generalista e consegue parasitar vários hospedeiros, como aves, inclusive. Mas o adulto, que fecha o ciclo, parasita originalmente antas. E como a anta está quase em extinção, o Amblyomma sculptum acabou adotando a capivara como hospedeiro primário.
E apesar de as capivaras não terem culpa, os dois especialistas concordam que sua população precisa ser controlada nos centros urbanos. “É um pouco cruel pensar em matar as capivaras, porque é uma situação que a gente criou e a gente tem conhecimento para evitar que isso aconteça. A gente pode fazer o controle com uma esterilização de forma mais ética, mais humana. Querer matar é o jeito mais truculento, cruel”, diz Nardi.
CÃES SÃO OS PORTADORES NA GRANDE SÃO PAULO
Marcello Nardi explica que na região metropolitana de São Paulo o ciclo da febre maculosa é diferente do visto no interior. Na capital, o verificado é o Amblyomma aureolatum, um carrapato de carnívoros silvestres. Só que os cães também entram nesse ciclo como hospedeiros, ele alerta.
“O Amblyomma aureolatum é um carrapato de região serrana da mata atlântica, então, o cachorro virou o principal problema. Ele vai para a mata e volta, e as pessoas acabam se infectando em casa. Esse que você pega andando na mata, como em Campinas, é o carrapato sculptum, que parasita a capivara, mas pode parasitar o cavalo e o gambá também.”
Em nota à reportagem, a Prefeitura de São Paulo, por meio da Secretaria do Verde e do Meio Ambiente, informa que até o momento não há casos de transmissão de febre maculosa em capivaras na capital. Ela orienta que o cidadão evite alimentar animais silvestres e mantenha distância deles e de seus filhotes.
A Secretaria Municipal da Saúde, por meio da Covisa (Coordenadoria de Vigilância em Saúde), diz que desde 2021 não há casos autóctones -aqueles contraídos na cidade de residência do morador- na Grande São Paulo. “Em relação aos óbitos, no ano de 2022, foi registrado um óbito importado (município Santa Branca-SP) e, em 2023, um óbito importado (Campinas-SP)”, informa a nota.
MÉDICOS COBRAM EDUCAÇÃO EM SAÚDE PARA A POPULAÇÃO
Para Marcello Nardi e Alessandra Nava, as mortes pela febre maculosa só ocorreram por falta de conhecimento das vítimas e também dos profissionais que as atenderam e não souberam identificar a doença de forma imediata.
“Se você anda em área de mata, tem de estar ciente que existem carrapatos e que você pode pegar a doença. Muitas vezes as pessoas pegam e não sabem, e vão ao médico e o médico também não sabe. Como não ocorre tão frequentemente, os médicos não esperam [a doença]. Por isso, a pessoa tem de ir e falar que esteve em área de mata. A doença tem cura e é tranquila de se tratar, mas tem de identificar”, diz Nardi.
“Temos de fazer um acolhimento em nosso sistema de saúde para lembrar que essa doença ainda circula. Se essas pessoas tivessem sido medicadas adequadamente para maculosa, elas poderiam estar vivas. É o médico fazer anamnese e perguntar: Aonde você foi? Onde você estava tinha carrapato?”, completa Nava.
SE TIVER CONTATO COM REGIÕES DE MATAS, SIGA ALGUMAS DICAS
– Ande de roupas claras, botas e calça por dentro da meia com uma fita fechando, para evitar a entrada do carrapato;
– Faça vistorias do corpo de vez em quando, passando rolo ou fita com cola para retirar os parasitas;
– Use repelentes que inibem carrapatos;
– Em casa, limpe as roupas em água fervente após a utilização;
– Caso tenha contato direto com carrapatos, evite tirá-los com as mãos, use pinças;
– Evite andar com cães em áreas de matas, a não ser que estejam vacinados e andando na coleira;
– Mesmo assim, depois é preciso fazer uma inspeção no animal, para ver se não pegou carrapatos.