Ações de acolhimento após eventos traumáticos devem envolver toda a comunidade escolar, incluindo estudantes, pais e responsáveis e funcionários, além de escuta ativa e capacitação dos profissionais da educação. E o período das ações deve ser prolongado, afirmam especialistas ouvidos pela Agência Brasil.
Após duas semanas do ataque à Escola Estadual Thomazia Montoro, na zona oeste da capital paulista, os estudantes voltaram às aulas nesta segunda-feira (10), com um plano de acolhimento que inclui também pais e responsáveis e equipe escolar.
“Para combater a violência extremista nas escolas, é necessário fortalecer os grêmios estudantis, as associações de pais e responsáveis e os conselhos escolares como meios de mobilização. Além disso, é importante aprimorar as disciplinas de humanidades, incluindo abordagens antirracistas, feministas e emancipadoras”, diz a coordenadora-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Andressa Pellanda. Para ela, outra medida relevante é oferecer formação continuada aos profissionais da educação e capacitá-los a identificar sinais de aproximação de grupos extremistas e a combater múltiplas formas de violência.
Segundo a educadora, as intervenções para lidar com o luto, o trauma e promover a resiliência precisam ser adequadas ao estágio de desenvolvimento do grupo afetado. “As intervenções devem fornecer segurança psicológica e física e envolver os pais e a comunidade, transmitindo esperança. É essencial oferecer orientações sobre onde as vítimas podem buscar suporte de longo prazo. Todos os profissionais que prestam assistência precisam saber como lidar com crises, desastres e traumas.”
De acordo com a pedagoga e mestre em psicologia educacional pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Sandra Dedeschi, em casos como esse, as escolas precisam ter clareza da importância de espaços de uma escuta ativa. “Não podem ser ações isoladas. Precisarão estar presentes por bastante tempo na escola. É claro que talvez de forma mais acentuada nas primeiras duas ou três semanas, mas não se lida com o luto, com um trauma tão grande, em dois, três momentos de diálogo.”
Para Sandra, é preciso que as escolas deixem um canal aberto caso os estudantes sintam necessidade de conversar sobre o problema – pode ser um gestor, um professor de confiança ou alguém com que os alunos se identifiquem. Os espaços de escuta devem permitir que falem do que eles estão sentindo e das dúvidas que possam ter.
“O que precisa ter nesses espaços de conversa? Ajudar os estudantes a identificar o que eles estão sentindo. Às vezes, posso estar chamando de medo a raiva. Como é que se pode identificar então o que se está sentindo, se tivesse que dar um nome para isso? Explicar quais as sensações no corpo, que pensamentos aparecem. Outros vão dizer: ‘é isso mesmo, eu também sinto isso’. Então, esses espaços [são] para que eles possam ir falando e identificando o que estão sentindo.”
Do ponto de vista psicossocial, Andressa Pellanda ressalta que outras ações podem ser tomadas como medidas preventivas, como criar grupos terapêuticos e espaços de acolhimento dentro das escolas; orientar os profissionais da educação e a comunidade em geral sobre como identificar e agir em caso de ameaças iminentes; garantir a presença permanente de psicólogos e orientadores educacionais nas escolas; estabelecer mecanismos de prevenção e discutir questões de violência envolvendo misoginia, racismo, LGBTQIA+fobia, islamofobia e antissemitismo.
O reinício das atividades na Escola Estadual Thomazia Montoro incluiu, no primeiro dia, três turmas, com cerca de 90 alunos, e os responsáveis acompanhantes, que tiveram apoio de equipes multiprofissionais de saúde. A partir de terça-feira (11), todos os estudantes voltam às aulas e, durante toda a semana, participarão de rodas de conversa, oficinas de consciência corporal e jogos colaborativos.
A escola passa também a contar com reforço da Ronda Escolar e apoio constante do Gabinete Integrado de Segurança e do Programa Escola Mais Segura, ações que resultam da iniciativa integrada das secretarias estaduais da Educação, de Saúde, de Justiça e Cidadania e Segurança Pública, com apoio do município e da organização não governamental (ONG) Instituto Superação.
É preciso destacar que a implementação de medidas de segurança, como instalação de catracas e detectores de metal, além da presença de seguranças armados nas escolas não é uma solução efetiva para combater o extremismo de direita. “Tais medidas podem até mesmo aumentar as ameaças, tornando o clima escolar insalubre e promovendo a propaganda extremista dentro da própria escola”, destaca Andressa Pellanda.
Segundo a educadora, é essencial garantir um ambiente escolar saudável e acolhedor, que incentive a criatividade, a crítica e a construção de conhecimento.
O governo do estado informou que, após o ataque à escola, a Polícia Militar reuniu os comandantes das companhias de área com os diretores de colégios para discutir a ampliação dos programas e estratégias de combate a agressores ativos. Além desta medida, a gestão estadual estuda contratar policiais da reserva para que fiquem de forma permanente nas escolas.
Na manhã de 27 de março, uma segunda-feira, a Escola Estadual Thomazia Montoro foi alvo de um ataque provocado por um adolescente de 13 anos. A professora Elizabeth Tenreiro, de 71 anos, morreu após ser esfaqueada pelo aluno. Segundo o governo paulista, Elizabeth Tenreiro era funcionária aposentada do Instituto Adolfo Lutz e, desde 2013, trabalhava como professora.
Estudo da Unicamp revela que, desde 2002, houve 23 ataques a escolas no país.