Após cinco anos, pandemia de coronavírus deixa poucas marcas na China

PEQUIM, CHINA (FOLHAPRESS) – Passados cinco anos da declaração da pandemia pela OMS (Organização Mundial de Saúde), em 11 de março de 2020, pouca coisa sobrou dela no cotidiano dos chineses.

 

Neste início de primavera em Pequim, eles pescam, nadam e passeiam de bicicleta às margens do rio Liangma, perto do terceiro anel viário da capital. Foram lá os protestos contra as restrições da Covid Zero, que precipitaram o fim do programa de combate à Covid-19 em dezembro de 2022.

Questionado, o jovem vendedor de uma loja de presentes, colada ao rio, disse que nem sabia das manifestações.

Sobre o que ficou dos três anos de pandemia, um professor, à espera do transporte público no anel viário, falou que o cotidiano da capital voltou ao que era no início de 2020. Que as pessoas voltaram a se sentar coladas umas às outras, por exemplo, no ônibus e no metrô.

Também ele não se recorda dos protestos, mas conta que, perto do Natal de 2022, todas as medidas foram suspensas -e veio uma grande onda de Covid, que ele e sua família pegaram, mas logo passou.

Outros chineses abordados veem mudanças no comportamento e no dia a dia. Manty Li, 32, à espera da filha de 11 anos na saída da aula, diz que “as escolas agora estão prestando mais atenção à saúde das crianças”, por exemplo, com mais atividades ao ar livre e educação física todo dia.

Cita também restaurantes que fecharam e não reabriram. “E depois da Covid-19 é mais difícil para os jovens acharem trabalho, especialmente trabalho bem remunerado”, acrescenta ela.

A dificuldade de emprego foi apontada como uma diferença em relação a cinco anos atrás também por uma jovem profissional e por um executivo de meia idade, que pediram anonimato. Mas os principais problemas econômicos da China são anteriores à pandemia.

A crise na construção, por exemplo, embora seja marcada pelo “default” da empresa Evergrande em 2021, já era evidente pelo menos quatro anos antes, quando Pequim fez os primeiros movimentos contra a especulação imobiliária.

É certo porém que a pandemia acelerou mudanças no perfil de consumo dos chineses. Marilyn Zhao, 45, com dois filhos agora adolescentes, diz que passou a cozinhar mais em casa. “Durante a pandemia, muitos restaurantes fecharam, porque ninguém queria ir, para não se infectar”, diz.

Ela deixou também de ir a supermercados e lojas. “Continuo comprando as coisas na internet, quase tudo. Antes você precisava pagar a mais pela entrega, mas ficou grátis. Se tiver algum problema, pode trocar facilmente.”

Além de mais entregadores, acrescenta, também aumentou o número de vendedores online, ao vivo, hoje parte do dia a dia comercial dos chineses. “É um novo tipo de trabalho, persuadir as pessoas a comprar online. Veio desse momento.”

Por outro lado, o consumo de entretenimento fora de casa parece ter retornado, como indica o fenômeno “Ne Zha 2”, animação que já se tornou a sexta bilheteria da história do cinema mundial.

Mais do que nas eventuais mudanças após cinco anos, aquilo em que os entrevistados se estendem é no trauma dos três anos de Covid Zero.

O professor no rio Liangma, que preferiu não dar o nome, conta como após o choque inicial de meses ele levou a família ao parque da Universal, uma das atrações para crianças. Dias depois, uma pessoa recebeu o diagnóstico -e milhares foram obrigadas a passar semanas presas novamente, inclusive sua família.

Zhao lembra de ficar em casa cerca de seis meses no início, também com a família toda, só saindo para levar o lixo e pegar a comida, no portão do condomínio. Recorda-se também de um vizinho que descia seu cachorro apenas para urinar no térreo, e de um episódio em que moradores brigaram no portão, contra a política de quarentena, porque outros condomínios haviam sido liberados. Quando foi suspensa a Covid Zero, sua família toda pego o vírus de uma vez -e aí a pandemia acabou.

Desde então, ouviu que algumas pessoas chegaram a contrair de novo, “mas com menos problema para o corpo, não se isolando mais, indo trabalhar”. É como uma gripe, descreve, então as pessoas aceitam melhor.

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