LISBOA, PORTUGAL (FOLHAPRESS) – No fluxo crescente de brasileiros que se mudam para Portugal, em meio a um perfil que vem se diversificando, a ocupação mais comum entre quem se instala é a de trabalhador de limpeza. A última edição dos Censos, realizada em 2021 e cujos resultados estão em fase de divulgação, mostra que 8,4% dos cidadãos do Brasil no país europeu informam atuar no setor.
A faxina em casas particulares, hotéis e escritórios é a atividade desempenhada pela maioria dos imigrantes em Portugal. Em recortes por nacionalidade, é a mais comum para cidadãos de 7 das 15 mais representativas no país, incluindo a brasileira –dos que se mudaram de Sao Tome e Principe, Cabo Verde e Guine-Bissau, mais de 22% trabalham com isso.
São a ampla oferta de vagas e a possibilidade de começar na função ainda sem permissão para residir legalmente em Portugal que fazem com que a limpeza atraia muitos estrangeiros recém-chegados.
Foi o que viveu a maranhense Samy Nunes, 28. Subgerente de uma loja no Distrito Federal, ela jamais havia trabalhado com faxina até se mudar para Portugal, em 2018. “Comecei porque foi o que apareceu. Quem chega como eu, sem visto de trabalho, não tem muita opção, era isso ou procurar emprego em restaurantes –o que eu não queria, porque é algo mais estressante e puxado”, diz ela. O marido seguiu o mesmo caminho.
Além de ser contratada para limpar um quartel de bombeiros em Cascais, onde ficava por 8 horas por semana, a brasileira também fazia limpeza em casas particulares, para engrossar os rendimentos.
“Em algumas eu cobrava EUR 10 [R$ 56] por hora. No fim, já dava para tirar um bom dinheiro. Era cansativo, mas valia a pena”, conta Samy, que acabou virando influenciadora digital graças aos vídeos bem-humorados compartilhando a rotina como faxineira imigrante em Portugal.
Há cerca de um ano ela passou a se dedicar só aos trabalhos na internet –tem 42 mil seguidores no Instagram– e a sua empresa de venda de passagens aéreas. “Nunca tive vergonha de postar que eu trabalhava com limpeza. Era de onde vinha meu dinheiro”, diz. “Já sofri preconceito em Portugal por outras questões, por ser brasileira, mas nunca por ser diarista.”
Proprietária de uma franquia de limpeza em Braga, no norte do país, a empresária carioca Márcia Tibau também aponta que, em geral, a profissão é encarada com menos estigma no país europeu do que no Brasil. “Clientes meus já me procuraram pedindo emprego para parentes. Dois indicaram as filhas, que tinham terminado a faculdade e estavam desempregadas, e outro a mãe.”
A empresa, voltada ao segmento de classe média alta, só tem imigrantes brasileiras como funcionárias. Segundo Tibau, como muitas dessas mulheres chegavam a Portugal sem ter ideia do processo de regularização, ela contratou um advogado para elaborar uma espécie de cartilha com o passo a passo dos trâmites e dar apoio em outras questões migratórias.
Na avaliação da empresária, os horários de trabalho também ajudam no potencial de atração da atividade. “Para imigrantes há muitas vagas em fábricas, que na maioria das vezes exigem experiência e documentação regular, mudam a escala de trabalho a cada semana. O mesmo com restaurantes e lojas, que também adotam o horário repartido [jornada dividida em dois períodos, com intervalo não remunerado entre eles].”
O mercado de trabalho formal português também tem dificuldades de inserção para imigrantes, além da baixa remuneração em muitas atividades –um quarto dos trabalhadores recebe o salário mínimo, de EUR 760 (R$ 4.200) com direito a 13º e 14º. Assim, muitos estrangeiros, mesmo em situação regular e com ensino superior completo, preferem atuar com limpeza, que oferece flexibilidade e, a depender do ritmo de trabalho, ganhos superiores ao salário mínimo.
Entidades de apoio a imigrantes destacam que o reconhecimento profissional em áreas mais qualificadas é um dos grandes desafios em Portugal. Segundo um relatório de 2020 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), quem vem de fora recebe um salário 29% menor do que os portugueses.
De acordo com os Censos, a população estrangeira residente é até um pouco mais escolarizada do que a local: 39,6% dos migrantes declaram ter ensino médio completo, ante 30,8% dos portugueses. Em termos de ensino superior, as proporções são semelhantes, com 24,2% dos estrangeiros e 24,1% dos portugueses com esse nível de escolaridade –entre os imigrantes brasileiros, o índice é de 24,6%.
De modo geral, o perfil de brasileiros residentes em Portugal espelha a disparidade social e econômica do outro lado do Atlântico. Ainda que a atividade prevalente seja a de trabalhador de limpeza, cidadãos do Brasil se destacam também em rankings de investimentos de luxo em Portugal.
Ficam atrás só dos chineses, por exemplo, na concessão dos chamados vistos gold, uma autorização de residência que tem como principal via de obtenção a compra de ao menos EUR 500 mil (R$ 2,8 milhões) em imóveis. De outubro de 2012 a agosto de 2022, os brasileiros investiram mais de EUR 870 milhões (R$ 4,8 bilhões) no programa.
A contagem populacional do INE (Instituto Nacional de Estatística), responsável pelos Censos, indica que a comunidade brasileira é a principal entre os imigrantes, respondendo por 36,9% do total de 542.165 estrangeiros vivendo no país.
Os dados diferem para menos em relação às cifras do SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras), que gere a imigração em Portugal –elas indicavam, no fim de 2021, 698.536 estrangeiros legalmente residentes. A participação nos Censos é obrigatória mesmo para quem está em situação irregular, mas o fato de o levantamento ter sido feito principalmente pela internet, dependendo de as pessoas acessarem o site do INE para preencher os dados por conta própria, pode ter contribuído para a diferença.