Cessar-fogo fracassa novamente no Sudão, e conflitos crescem em Darfur

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Mais uma vez, uma tentativa de cessar-fogo fracassou no Sudão, onde um conflito entre duas facções militares iniciado em 15 de abril já matou pelo menos 512 pessoas e feriu outras 4.200. Agora, os Estados Unidos e a Autoridade Intergovernamental para o Desenvolvimento, um bloco do leste africano, tentam negociar uma nova pausa no combate, que tem o potencial de desestabilizar toda a região.

A última trégua foi determinada na segunda-feira (24), quando o Exército do país e o grupo paramilitar RSF (Forças de Apoio Rápido) concordaram em interromper os combates por 72 horas, prazo que terminaria à meia-noite desta quinta-feira (27). O pacto abrandou mas não interrompeu os combates na capital, Cartum, e no oeste do país, Darfur -as duas regiões onde o conflito se concentra.

No norte de Cartum, aviões militares cruzam o céu e os combates com metralhadoras e armamento pesado continuam, informaram testemunhas à agência de notícias AFP. Já na capital de Darfur, El Geneina, a violência escalou e foram registrados saques, assassinatos e incêndios em casas, segundo a ONU. Em 2003, uma guerra civil nessa região matou 300 mil pessoas e deslocou 2,7 milhões.

Na quarta-feira (26), o Exército concordou com um diálogo em Juba, capital do Sudão do Sul, para prolongar o cessar-fogo. As RSF, porém, não mencionaram a tentativa de negociação e acusaram o Exército de atacar as suas forças e espalhar “falsos rumores”.

O atual conflito é fruto das divergências entre Fatah al-Burhan, líder sudanês e chefe do Exército, e Hemedti, como é conhecido o comandante das RSF. Depois de derrubarem a ditadura de 30 anos de Omar al Bashir, os antigos aliados deram um golpe de Estado em 2021 e ocuparam os dois principais cargos em um conselho que deveria promover a transição para um governo civil e planejar a fusão das duas forças armadas. Ambos os planos foram inviabilizados após discordâncias entre os dois líderes, que mergulharam o Sudão no caos.

Nos últimos dias, diversos países organizaram operações para resgatar seus cidadãos e diplomatas da nação em crise, em um dos maiores êxodos desde a retirada das forças dos EUA do Afeganistão em 2021. Muitos estrangeiros, porém, não conseguiram sair, enquanto sudaneses lutam para encontrar comida, água e combustível. A agência de refugiados da ONU estimou que 270 mil pessoas poderiam fugir apenas para os vizinhos Sudão do Sul e Chade.

Nesta quinta, a França afirmou ter retirado mais pessoas do país, incluindo britânicos, americanos, canadenses, etíopes, holandeses, italianos e suecos. O Reino Unido alertou que pode não ser capaz de continuar resgatando cidadãos quando o cessar-fogo terminar, e pediu que as pessoas tentem alcançar voos britânicos imediatamente.

O sírio Mohammad Al Samman foi um dos estrangeiros resgatados do país. À agência de notícias Reuters, ele expressou choque com a escalada repentina de violência. “Não testemunhei isso na Síria. Com toda a guerra e destruição na Síria, não aconteceu de repente”, disse, ao desembarcar na Jordânia.

Achraf, um sudanês de 50 anos que fugiu para o Egito, pediu aos generais que acabem com a guerra. “Os sudaneses sofrem e não merecem isso. Essa é a guerra de vocês, não do povo sudanês”, afirmou à AFP.

A ONU, que interrompeu operações após a morte de cinco trabalhadores humanitários, afirmou que não pode mais prestar auxílio em uma área onde 50 mil crianças sofrem de desnutrição aguda. O conflito limitou a distribuição de alimentos em um país onde um terço dos 46 milhões de pessoas já dependia de ajuda humanitária.

Os hospitais não são poupados. De acordo com o Sindicato dos Médicos do Sudão, 14 centros de saúde foram bombardeados e outros 19 foram esvaziados por estarem sob ataques, sem insumos e pessoal ou perto de áreas de combate. Segundo o grupo, 60 dos 86 hospitais em zonas de conflito pararam de funcionar.

Em meio ao cenário de caos, centenas de detentos fugiram de três prisões, incluindo a penitenciária de segurança máxima de Kober, onde estavam ex-funcionários de alto escalão do regime deposto de Omar al Bashir. Entre os foragidos está um integrante do antigo governo que é procurado pelo TPI (Tribunal Penal Internacional), acusado de crimes contra a humanidade.

O próprio ex-ditador, de 79 anos, também estava na prisão, mas o Exército afirmou na quarta-feira que ele foi transferido para um hospital militar antes do início dos combates devido à sua condição de saúde. A data da transferência não foi divulgada.

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