(FOLHAPRESS) – Faltam ainda 15 meses para as eleições no México, quando AMLO –forma como o presidente Andrés Manuel López Obrador é conhecido– deixará o cargo, já que não pode concorrer à reeleição. Para os observadores menos informados, porém, a impressão é de que a corrida eleitoral mexicana começou.
Após AMLO anunciar que seu partido, o Morena, deve escolher seu candidato para o pleito por meio de pesquisas de intenção de voto, figuras da legenda iniciaram uma corrida nacional para obter apoio e se tornarem mais conhecidas. Uma em especial se destacou: Claudia Sheinbaum.
Chefe de governo da Cidade do México –equivalente a governadora–, Sheinbaum é a “corcholata” favorita de Obrador. O termo em espanhol significa tampa de garrafa e foi adotado pelo presidente, um populista de esquerda, para se referir a seu possível sucessor.
A escolha é uma brincadeira, mas tem mensagem clara. AMLO elegeu “corcholata” em substituição ao “el tapado”, personagem do cartunista Abel Quezada criado há 60 anos em referência ao fato de que candidatos eram fabricados pelo líder em exercício.
O personagem foi imortalizado com a caricatura de um homem elegante, que usava terno e tinha a cabeça coberta por um pano branco. Só seus olhos podiam ser vistos.
À época o país vivia sob um regime de partido único, e Quezada brincava com um dos significados locais da palavra: desconhecido. Ao dizer que seu sucessor será uma corcholata, AMLO quer afastar a imagem e dizer que os possíveis candidatos são públicos, de conhecimento dos mexicanos, “destapados”.
“Não é tratar de forma depreciativa”, disse em uma de suas mañaneras, longas entrevistas matinais que concede diariamente. “Já não há tapados, o presidente não nomeia seu sucessor, mas sim o povo.”
Sheinbaum, 60, primeira mulher a liderar a capital, é a mais próxima de AMLO. “Ela garante a ele uma lealdade absoluta, algo que os outros, não”, diz Ernesto Núñez, analista político e editor no site Animal Político. “O principal atributo é esse, quando sabemos que a voz final na escolha será a de López Obrador.”
De perfil acadêmico, Sheinbaum estudou física na Universidade Nacional Autônoma do México, onde também fez mestrado e doutorado e deu aulas. Ali começou sua militância estudantil, mas ainda de maneira mais comedida.
Ela foi secretária de Meio Ambiente da capital quando AMLO era chefe de governo, no início dos anos 2000. Depois, foi eleita em 2015 prefeita de Tlalpan, de 670 mil habitantes. Até que se afastou do cargo, em 2018, para assumir a liderança da capital do país.
Ao lado dela, os nomes mais cotados para candidatos do Morena são o chanceler Marcelo Ebrard, o deputado Gerardo Fernández Noroña e o senador Ricardo Monreal.
Pesquisa do instituto Enkoll realizada com 1.200 pessoas em fevereiro mostra que 34% dizem preferir Sheinbaum como candidata e somente 20% optam por Ebrard. Outros fazem menos de dez pontos.
Mais do que isso, 47% dos respondentes afirmam que votariam nela caso as eleições fossem realizadas no dia da sondagem, em um universo de pesquisa que já inclui possíveis nomes da oposição. Aqui entra em conta a popularidade de AMLO, um dos líderes que mais apoio têm na América Latina –segundo o mesmo instituto, o esquerdista goza de 69% de aprovação.
Contra ela pesa um ponto: 68% disseram conhecê-la, enquanto 73% sabem quem é Ebrard. “Ela não tem presença em outros estados. Por isso está fazendo uma campanha agressiva para se posicionar”, explica Sofía Fuentes, da consultoria Prospectiva.
Sheinbaum não tem o mesmo perfil de AMLO, que escalou o discurso populista e promove ataques à imprensa e ao órgão eleitoral do país –que enfim logrou reformar após o Congresso aprovar seu projeto, o que ainda pode ser revertido da Suprema Corte.
“Claudia não é assim, mas radicalizou seu discurso nos últimos meses para ganhar as simpatias de AMLO e da militância mais radical do Morena”, afirma Ernesto Núñez.
Um ponto de divergência entre ela e o presidente emergiu durante a pandemia de Covid. AMLO, à semelhança de Donald Trump e Jair Bolsonaro, menosprezou a relevância do vírus. Sheinbaum, não –defendeu o uso de máscaras e do distanciamento social.
Além de angariar apoio, a líder da capital também lida com desafios dentro da região que governa. Um dos principais está relacionado a um recente acidente no metrô que deixou um morto e 59 feridos.
Dados obtidos pelo portal La Silla Rota mostraram que a administração de Sheinbaum registrou alta no número de acidentes do tipo: foram 431, contra 181 da gestão anterior.
Pesa ainda o fato de o Morena, seu partido, ter perdido força na capital. Nas eleições locais de 2021, a sigla perdeu seis das 11 prefeituras que tinha sob sua alçada para a oposição, de modo que hoje lidera sete das 16 administrações locais da Cidade do México.
“Por um lado, liderar a capital parece uma plataforma perfeita para a Presidência; o México segue sendo um país centralista, mas existem os desafios de se estar em uma megalópole”, diz Núñez. “A capital pode ser um trampolim, mas também pode te desgastar. A pergunta é: nos próximos 15 meses, Claudia vai conseguir se manter no topo das pesquisas apesar dos graves problemas da Cidade do México?”
Caso logre o feito posto em xeque, Sheinbaum repetiria algo que até agora só AMLO fez: tornar-se presidente após liderar a capital. Obrador precisou de um espaço de tempo: comandou a Cidade do México de 2000 a 2006, e só chegou ao palácio em 2018. Se Sheinbaum tiver sucesso, terá uma ascensão ainda mais importante que a de seu mentor.