SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Uma barraca improvisada de lona pedaços de madeira tem vista para as covas do Cemitério Vila Nova Cachoeirinha. Mais acima, há outras duas barracas em meio à mata dentro do terreno municipal. Ao todo, três homens sem-teto vivem no local.
Um deles tem 48 anos, não quer revelar o próprio nome e pede para não ser fotografado. Carioca, como pede para ser chamado, diz que mora no cemitério há cerca de três décadas.
A administração do cemitério deu prazo até esta quinta-feira (11) para que eles saiam do local. Segundo a Prefeitura de São Paulo, assistentes sociais abordaram sete pessoas na manhã desta quarta (10) na região do cemitério, mas nenhuma delas aceitou a oferta de encaminhamento para centros de acolhida ou outros serviços da rede de assistência.
As invasões no Cemitério Vila Nova Cachoeirinha dão uma dimensão dos problemas que as concessionárias do serviço funerário terão de resolver. Quatro empresas assumiram em março a gestão de 22 cemitérios municipais, em contratos que chegam a R$ 7,2 bilhões e preveem revitalização e expansão.
Carioca diz que viver dentro do cemitério é mais seguro do que na rua. Ele conta que já foi retirado de lá cerca de 20 vezes. Em todas, voltou na noite seguinte e armou sua barraca novamente.
Ele não é um estranho para a comunidade do cemitério: conta que recebe doações de comida dos moradores do entorno e visitas periódicas de assistentes sociais.
Os barracos estão cercados por montes de lixo, que são constantemente revirados por galinhas, pombos e urubus. A poucos metros de distância, o muro que deveria cercar o local tem uma grande abertura que dá acesso para a favela do Boi Malhado.
A comunidade cresce há décadas ao redor dos muros do cemitério, com várias invasões ao longo dos anos.
Os muros têm portas que dão acesso direto a casas da favela. Há um trecho onde não há mais separação entre o terreno municipal e a comunidade.
Há também moradores de rua que pernoitam no cemitério, usando as maiores sepulturas como abrigo, segundo o relato de moradores da favela.
A Cortel, empresa que administra o local diz que a reconstrução do muro está prevista para o dia 22 deste mês.
As invasões no cemitério são um reflexo de problemas estruturais da cidade que se agravaram nos últimos anos. De 2015 a 2021, a população de rua na cidade de São Paulo dobrou.
O último censo da prefeitura estimou que havia 31.884 pessoas sem-teto na cidade em 2021. Seis anos antes, eram 15.905 pessoas nessa condição. O déficit habitacional da cidade é estimado em 369 mil domicílios.
Segundo a Cortel, a situação dos moradores de rua no local foi comunicada à SP Regula (Reguladora de Serviços Públicos do município), que fiscaliza a concessão. A concessionária diz que “tem atuado junto aos órgãos responsáveis pela assistência social do município para solucionar o problema da melhor maneira possível”.
Sobre o acúmulo de lixo, a empresa diz que mais de 30 toneladas já foram recolhidas. A empresa afirma que a limpeza é feita de forma constante, mas o descarte irregular na área é recorrente.
A concessão dos cemitérios municipais de São Paulo representou um aumento em preços de serviços funerários básicos para a população. Para quem não tem direito a gratuidades, o velório mais simples disponível para quem não tem direito a benefícios, que poderia ser realizado por R$ 299,85 até a concessão, agora sai por R$ 1.443,74 -salto de cerca de 400%.