Déficit de médicos de família no SUS está entre 45 mil e 65 mil

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A área de atenção primária precisará de um olhar especial da gestão Luiz Inácio Lula da Silva (PT), na avaliação da presidente da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade, Zeliete Linhares Leite Zambon. Segundo ela, faltam profissionais, incentivo na carreira e investimentos.

Na opinião da especialista, para uma boa gestão em saúde, o governo deverá investir na atenção primária, nos agentes comunitários de saúde, na formação do médico de família e comunidade, além de aumentar a resolutividade da atenção primária e voltar com os profissionais do Nasf (Núcleo de Apoio à Saúde da Família).

PERGUNTA – Faltam médicos de família no SUS?

ZELIETE LINHARES LEITE ZAMBON – Só no SUS o déficit varia de 45 mil a 65 mil médicos de família e comunidade. Só temos 10 mil destes profissionais.

P. – Ao que se atribui o déficit?

ZZ – Primeiro, não existia esse profissional dentro da graduação. De 2014 para cá, com a mudança da diretriz curricular nacional para os cursos de medicina, passou a ser obrigatório um professor especialista em medicina de família e comunidade, inclusive a disciplina de atenção primária transversal a todo curso. Se fizermos uma conta, vamos demorar no mínimo dez anos para formar a quantidade necessária desses especialistas.
Na hora que formar, vamos precisar de mais, porque a população aumenta. A especialidade fez 41 anos no dia 5 de dezembro [Dia Nacional do Médico de Família e Comunidade], mas o formato era diferente. A partir de 2002, ela passou a ser no formato assistencial, de resolver todos os problemas da atenção primária, que equivale a 85% dos problemas de saúde das pessoas. A atuação da atenção primária também mudou. Antes, tínhamos muito a visão da prevenção. Hoje, é prevenção, cura, diagnóstico, reabilitação.

P. – De que forma o país poderia incentivar a opção pela medicina de família?

ZZ – Temos uma necessidade emergencial de provimento médico na atenção primária. Essa urgência trouxe vários programas, como o Mais Médicos e o Provab (Programa de Valorização do Profissional de Atenção Básica), em que o formado saía da graduação e recebia uma bolsa de valor muito maior que o da bolsa de residência, de R$ 4.000. A do Provab era R$ 10 mil; a do Mais Médicos passava de R$ 11 mil; e a do Médicos Para o Brasil [substituto do Mais Médicos], cerca de R$ 15 mil. Isso desestimula o recém-formado a ir para a residência em medicina de família e comunidade.

P. – Como a senhora avalia a gestão Bolsonaro em relação à saúde da família?

ZZ – Horrível. Em relação à Estratégia Saúde da Família, houve diminuição no investimento. Até por conta do congelamento de verbas para a saúde e a educação, diminuiu o investimento na resolubilidade, porque cortou verba para o fluxo de apoio a saúde da família. Isso por si só já diminuiu o incentivo da atenção primária.

Na medicina de família e comunidade, pela primeira vez, não houve estímulo para bolsa de residência nessa especialidade desde quando começou o Pró-Residência [Programa Nacional de Apoio à Formação de Médicos Especialistas em Áreas Estratégicas]. Isso deixa claro que o governo não tinha intenção de valorizar a medicina de família e comunidade. Dentro do Médicos pelo Brasil, foi criada a Agência para o Desenvolvimento da Atenção Primária à Saúde com o mote de formação para a medicina de família e comunidade. Na verdade, demorou um tempão para começar o curso, o que aconteceu recentemente. Mesmo assim, deveria ter uma avaliação contínua desse processo do Médicos pelo Brasil. O programa, que é uma mistura de provimento com formação e no final titulação de especialistas em medicina e comunidade, demorou para ser posto em prática. Só retrocessos.

P. – Qual o impacto da crise na saúde sobre a medicina de família?

ZZ – Como não tinha um planejamento de como seria esse trabalho, não houve investimento, melhorias e nem manutenção das políticas já existentes. Isso fez com que as pessoas fossem mais para o pronto-socorro, descompensassem com doenças crônicas, como hipertensão arterial e diabetes, e tivessem mais AVC, infarto.

A economia provoca mais gastos nos setores secundários e terciários, porque não há um cuidado na gestão da saúde das pessoas. A medicina de família e comunidade começou a ir muito para o privado. Já tinha um apelo do sistema privado por esse profissional, que foi muito valorizado lá. Além de o governo não formar mais médicos de família e diminuir os gastos em atenção primária, perdeu especialistas em medicina de família e comunidade para o setor privado, o que piorou muito a qualidade da atenção primária.

P. – Quais as expectativas da entidade em relação ao governo Lula?

ZZ – Sabemos que será um ano difícil pelas questões orçamentárias. Esperamos que este governo tenha claro que a atenção primária deve ser a coordenadora de todo sistema de saúde. É preciso investir na atenção primária, na formação do médico de família e comunidade, aumentar a resolutividade da atenção primária, voltar com os profissionais do Nasf e investir nos agentes comunitários de saúde, na inovação e nos sistemas de informação. Essa é a lógica de uma boa gestão em saúde.

E esperamos que este governo escute os especialistas em medicina de família e comunidade. Nos acione, procure a Sociedade [Brasileira de Medicina de Família e Comunidade], que temos orientações para dar. Esperamos que o especialista em medicina de família e comunidade seja valorizado, que tenha um plano de carreira, incentivo para a formação.

Assim como incentivamos os médicos de provimento emergencial com bolsas maiores, devemos incentivar os que fazem residência em medicina de família para que também tenham bolsas maiores, um processo de carreira médica e fixação dentro da Estratégia Saúde da Família.

Raio-X

Zeliete Linhares Leite Zambon

Presidente da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade. Graduada em medicina pela Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória, médica de família e comunidade, mestre em ciências do ensino da saúde pela Unifesp. Tem MBA Executivo em gestão de saúde pelo Einstein. É coordenadora de ensino do curso de medicina da Faculdade São Leopoldo Mandic.

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