SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O desmatamento na mata atlântica ficou acima dos 20 mil hectares no ano passado. A área derrubada tem 125 vezes a do parque Ibirapuera, na cidade de São Paulo, e é a segunda maior dos últimos seis anos.
Com apenas 24% remanescentes da cobertura original, a mata atlântica teve 20.075 hectares (ou 200,75 km²) derrubados em 2021-2022, uma queda de 7,2% em relação ao período anterior (2020-2021), que registrou 21.642 hectares desmatados.
Os dados são de relatório da ONG SOS Mata Atlântica e do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) publicado na noite desta quarta-feira (24).
“Para a mata atlântica, estamos falando de um valor ainda muito alto, muito acima do que já foi o menor índice, de 11 mil hectares, em 2017-2018, e faz parte de um processo cumulativo de cinco séculos de desmatamento”, afirma o diretor-executivo da SOS Mata Atlântica, Luis Fernando Guedes Pinto.
Para ele, a alta em 2022 ainda reflete a tônica do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). “Havia expectativa com legislação e fiscalização enfraquecidas.”
Cinco estados -Minas Gerais (7.456 ha), Bahia (5.719 ha), Paraná (2.883 ha), Mato Grosso do Sul (1.115 ha) e Santa Catarina (1.041 ha)- concentram 90% da destruição. Enquanto oito unidades registraram aumento, nove tiveram redução de 2021 a 2022.
A liderança de Minas Gerais e Bahia, segundo Guedes Pinto, se deve a fatores como a expansão da atividade agrícola, que inclui Piauí e Mato Grosso do Sul.
Procurado para comentar os números, o governo de Minas diz que já recuperou 26,5 mil hectares de mata atlântica, e que as fiscalizações constataram 4.069 infrações em 2021 e 5.485 em 2022.
O secretário de Meio Ambiente, Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia de Mato Grosso do Sul, Jaime Verruck, por sua vez, diz que o estado não autoriza supressão de mata atlântica, e que usa os mapas publicados por SOS Mata Atlântica e Inpe para fiscalização em propriedades rurais.
“Caso essas áreas tenham desmate ilegal, serão multadas e embargadas”, afirma. Ainda segundo Verruck, o estado vai lançar um sistema próprio de monitoramento em junho.
No Paraná e em Santa Catarina, onde há predominância do bioma, o desmatamento acontece nas bordas da mata, em pequenas áreas, mas numerosas. “São vários [desmates] de três, cinco ou dez hectares, para tentar fugir da fiscalização”, diz Guedes Pinto.
O governo de Santa Catarina afirma que desenvolveu um sistema de monitoramento próprio no estado, com imagens de satélite. Além disso, aposta em parcerias e na criação de Reservas Particulares do Patrimônio Natural, além de dez unidades de conservação estaduais para proteger 118 mil hectares de mata atlântica.
Outro fator que contribui para o desmatamento, explica a SOS Mata Atlântica, são as regiões mais urbanizadas e as grandes cidades do país contidas no bioma. Nesses municípios, a pressão imobiliária contribui de forma generalizada para o corte de vegetação.
O governo de São Paulo afirma que a fiscalização da Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística, em conjunto com a Polícia Militar Ambiental, resultou em 10.064 autos de infração ambiental em 2021 e 9.850 em 2022.
“Dessa forma, considerando a manutenção do esforço de fiscalização em campo e autuações, constata-se a diminuição da área com alterações na vegetação nativa no estado.”
Já o Rio de Janeiro, que registrou crescimento pelo segundo ano consecutivo, tem entre as ações de combate, segundo o governo estadual, programa de monitoramento por satélite. Desde 2016, fez 1.200 ações de fiscalização, das quais 76% confirmaram desmatamento ilegal.
A administração afirma que 30% da área de mata atlântica no estado estão protegidos por meio de unidades de conservação. O governo fluminense registra também que uma análise de alertas de 2022 indicou que 100 hectares de desmatamento fazem parte de silvicultura e escorregamento de rochas.
A bióloga Maria Otávia Crepaldi, que não fez parte do estudo da ONG, acrescenta que o desmate na Bahia também vem da expansão imobiliária na região de Santa Cruz Cabrália, no sul do estado, em áreas extensas do litoral que dificultam a fiscalização.
“São condomínios muito grandes, que tentam ser ecocondomínio, mas isso é inviável, é greenwashing. E as autorizações de supressão de vegetação nativa são feitas em cima de planta topográfica e de engenharia, não com biólogos, engenheiros florestais”, avalia a pesquisadora.
Crepaldi afirma ainda que a obrigação de 20% de reserva legal nas propriedades prejudica a manutenção de conexões de mata.
“Essas manchas [de floresta] não se comunicam, e sem isso você prejudica o fluxo genético das espécies. Sejam núcleos urbanizados ou monocultura, animais não vivem, não se acasalam, comem ou dormem aí. Fazem isso na mata nativa”, diz a bióloga.
Procuradas pela reportagem, as secretarias de Piauí, Paraná e Bahia não responderam até a publicação deste texto.
Nesta quarta, a SOS Mata Atlântica lançou também em seu relatório anual dados do SAD (Sistema de Alertas de Desmatamento) Mata Atlântica, em parceria com a empresa Arcplan e a plataforma Mapbiomas.
Com metodologia distinta do levantamento divulgado pela ONG anualmente em data próxima ao Dia da Mata Atlântica (celebrado em 27 de maio), as informações novas do SAD apontam que o desmatamento total da mata atlântica pode ter chegado, em 2022, a 75 mil hectares.
A conta, segundo Guedes Pinto, inclui, além dos 20.075 ha de floresta madura -monitorados com a mesma metodologia desde 1985-, mais 55.088 ha de mata jovem derrubada. Por se tratarem de dados novos, não há série histórica para comparação.
“Publicamos pela primeira vez dados dessas florestas jovens e pequenos fragmentos que têm papel de conexão para preservar áreas de biodiversidade e garantir o futuro de espécies”, explica.
A maior parte dessa vegetação jovem, diz o diretor-executivo, vem de regeneração natural da mata atlântica. “São áreas abandonadas pela pouca aptidão agrícola, por exemplo, que têm mais velocidade na recuperação.”