JÚLIA BARBON
ASSUNÇÃO, PARAGUAI (FOLHAPRESS) – “Ninguém tem ideia do que vai acontecer”, diz o representante de vendas paraguaio Jorge Duarte, 47, que voltou ao país natal para votar depois de passar férias na Argentina. “Um candidato estava indo bem, mas aí vieram denúncias de corrupção e agora já não se sabe mais nada.”
Ele e seus conterrâneos vão às urnas neste domingo (30) em um clima de profunda indefinição. Sua escolha é entre manter o mesmo partido que está no poder há quase 70 anos, ou optar pela mudança votando em
uma grande coalizão de oposição que uniu esquerda, centro-esquerda e centro-direita.
O grupo Colorado detém a máquina estatal do Paraguai e normalmente é o favorito. Neste ano, porém, acusações de corrupção e estagnação econômica ameaçam a sua hegemonia. Parte das pesquisas mostra uma disputa acirrada, inclusive com empate técnico.
Do lado governista está o economista conservador Santiago Peña, 44, cuja sigla comanda o país praticamente desde a ditadura de Alfredo Stroessner (1954-1989). A exceção foi a gestão do
ex-bispo de esquerda Fernando Lugo (2008-2012), que sofreu um impeachment meses antes de terminar o mandato.
Na oposição está o advogado liberal Efraín Alegre, 60, figura já antiga na política paraguaia. Ele foi deputado, senador, ministro e é presidente do partido Liberal Radical Autêntico, mas perdeu as duas últimas corridas presidenciais para os colorados.
No início da semana, um terceiro candidato também cresceu no levantamento da empresa brasileira AtlasIntel, vista como a mais independente em um país onde sondagens provocam desconfiança.
Mas o extremista Paraguayo Cubas, que é comparado a Jair Bolsonaro (PL) e já chegou a defender a morte de “ao menos 100 mil brasileiros”, segue longe dos principais rivais e não tem aparato político.
Um elemento torna o embate ainda mais dramático: as eleições paraguaias ocorrem em turno único, ou seja, o postulante que conseguir um só voto a mais que os outros ocupará a cadeira presidencial pelos próximos cinco anos, a partir de 15 de agosto.
Durante a campanha, Alegre explorou principalmente as acusações de corrupção contra o padrinho político de Peña, o ex-presidente Horacio Cartes (2013-2018), usando o bordão “pátria ou máfia”.
Cartes, o homem mais poderoso do país, dono de bancos e empresas de cigarros, foi classificado como “significativamente corrupto” pelos Estados Unidos em julho.
O tema é a maior preocupação dos eleitores do país, somado a questões sociais agravadas pela pandemia. A nação agropecuária de 7 milhões de habitantes viu índices que vinham melhorando estagnarem no último ano. A renda média voltou a patamares de uma década atrás, a pobreza extrema subiu e a violência voltou a crescer.
“Ainda há muita desigualdade no acesso a serviços básicos, junto a uma informalidade altíssima”, diz o sociólogo e economista Fernando Masi, diretor do Cadep (Centro de Análise e Difusão da Economia Paraguaia). “As pessoas estão vivendo isso todos os dias, então as propostas eleitorais foram nesse sentido.”
Alegre, por exemplo, prometeu baixar as tarifas da energia elétrica, enquanto Peña disse que criará mais empregos. O índice de trabalhadores informais -de 64% da população ocupada, em comparação com 40% no Brasil- será, aliás, um dos principais desafios do próximo presidente.
Outra tarefa imediata do novo mandatário será renegociar parte do acordo da hidrelétrica de Itaipu com o Brasil. Também está em jogo o reconhecimento da ilha de Taiwan pelo país, que Alegre disse à Folha querer rever com o objetivo de intensificar as relações comerciais com a China -o gigante asiático não mantém laços diplomáticos oficiais com aqueles que defendem a autonomia da ilha, caso do Paraguai atualmente.
Pela primeira vez em eleições gerais, o país usará de forma generalizada máquinas para votar em vez de listas manuais. As urnas, que já foram empregadas nas primárias e em eleições municipais, não são eletrônicas, uma vez que não guardam os resultados nem estão ligadas a uma rede.
Elas imprimem, no entanto, um boletim de voto. Isso evita uma prática antiga no Paraguai, a chamada “compra de mesa”, que alterava os resultados da lista manual. Ela consistia na divisão ilegal de votos de partidos menores pelos três fiscais que compunham as mesas, normalmente membros de siglas maiores.
A Justiça Eleitoral paraguaia espera eleições tranquilas, mas um membro do tribunal que não quis se identificar pondera que não é possível afirmar isso com certeza. Há um forte clima de polarização, e um receio de que o lado perdedor não aceite o resultado das urnas.
A coalizão de oposição, batizada de Concertación Nacional -ou acordo nacional, em português-, mobilizou 40 mil pessoas para monitorar todos os locais de votação. “Falhamos no nosso controle em 2018 e não podíamos repetir o erro este ano”, declarou o candidato Alegre na sexta (28).
Comissões internacionais da União Europeia e da Organização dos Estados Americanos, não encontraram, porém, indícios de fraudes significativas na eleição passada.
As equipes estão em Assunção para acompanhar novamente o pleito “in loco”.
Outra novidade serão as multas para quem não cumprir a obrigação de votar, o que pode aumentar o comparecimento da população às urnas, de apenas 63% no pleito passado. Analistas também veem um nível de interesse maior agora, inclusive por parte de eleitores que moram fora do país, como no caso daqueles que habitam regiões próximas da fronteira do território com o Brasil.
“Conheço professores de Dourados (MS) paraguaios que vão cruzar a fronteira para votar. É uma mobilização que não via antes. Será suficiente? Não sei, mas é uma novidade”, diz Tomaz Espósito, professor da Universidade Federal da Grande Dourados.
Além do novo presidente, as 4,8 milhões de pessoas habilitadas a ir às urnas no país vizinho também vão eleger neste domingo 45 senadores e 80 deputados titulares (mais os suplentes), 17 governadores e 257 deputados estaduais.