Elogiada no exterior, Jacinda sai do poder em baixa na Nova Zelândia

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O anúncio da primeira-ministra da Nova Zelândia, Jacinda Ardern, de que renunciará até 7 de fevereiro, deixando de buscar um terceiro mandato, pegou muita gente de surpresa -no país e fora dele.

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Reações vieram de políticos como o presidente americano, Joe Biden, e o premiê australiano, Anthony Albanese, da presidente do Banco Central Europeu, Christine Lagarde, mas também de figuras como a cantora pop americana P!nk. “Nunca haverá outra como ela”, escreveu no Twitter. “Você tem minha admiração, respeito e votos de felicidades para você e sua linda família”.

Mensagens como esta são um sinal de como, em pouco mais de cinco anos de mandato, Jacinda conseguiu construir e consolidar uma imagem para além da política -mas que não refletem de todo a situação interna, na qual a primeira-ministra vinha enfrentando uma série de desgastes, que derrubaram sua popularidade aos índices mais baixos desde que assumiu o poder.

Um dos principais motivos é a alta no custo de vida. Nesta quinta (19), a imprensa local informou que o preço dos alimentos em dezembro subiu 11,3% no acumulado de 12 meses, a maior taxa em 32 anos, obrigando famílias a cortar gastos.

O cenário se repete em outras grandes economias, que também veem abalos políticos. No Reino Unido, por exemplo, a inflação acumulada em 12 meses até outubro chegou a 11,1%, maior nível desde 1981. Nos EUA, chegou a 9,1% em junho passado, um recorde em 40 anos. Os números refletem o abalo nas cadeias produtivas causado pela pandemia e pela Guerra da Ucrânia, que paralisaram a economia por meses e encareceram muitos itens e etapas produtivas.

“O indivíduo que viveu durante a globalização em um país desenvolvido não está acostumado com esse aumento de preços”, afirma Vinícius Rodrigues Vieira, professor de relações internacionais da FAAP (Fundação Armando Alvares Penteado). “Há 40 anos a inflação não passava de dois dígitos no mundo desenvolvido.”

Mas, na Nova Zelândia, a relação entre economia e popularidade dos políticos de turno, comum a todos os países, ganha mais peso e camadas. Primeiro por seu isolamento geográfico -o território é composto de duas grandes ilhas principais no oceano Pacífico.

Nações desenvolvidas, lembra Vieira, terceirizaram ao longo dos anos a produção de industrializados para países com mão de obra mais barata, aumentando a dependência logística. “E o país mais próximo ali é a Austrália, que também tem dificuldades de abastecimento.”

Ao lado do vizinho e do Canadá, a nação se desenvolveu mantendo uma economia ligada a agropecuária, alcançando alto nível de produtividade no setor, e importou o modelo político do Reino Unido, com partidos trabalhistas fortes e organizados em torno de sindicatos. “A soma de produtividade e organização para demandar direitos culminou na formação de um modelo de bem-estar social mesmo com uma industrialização abaixo da média da Europa e dos EUA”, diz Vieira.

Há, ainda, um aumento marginal da violência no país. “E ela acaba sendo culpada por isso. Não está claro que ela adotou políticas que elevaram esse número, que tem mais a ver com a crise econômica; mas a violência sempre aumenta quando a economia vai mal”, afirma Eduardo Mello, professor de relações internacionais na FGV (Fundação Getulio Vargas).

Assim, a situação atingiu Jacinda diretamente. Ao anunciar o plano de renunciar, nesta quinta-feira, ainda noite de quarta (18) no Brasil, ela se disse sem energia para continuar no cargo. “Eu sei o que esse trabalho exige. E sei que não tenho mais a energia necessária para fazê-lo da melhor forma. É simples.”

Quando chegou ao poder, em 2017, ela ganhou destaque por ser a chefe de Executivo mais jovem do mundo à época. No segundo ano de mandato, deu à luz e não abriu mão de tirar seis semanas de licença-maternidade, deixando o país na mão do vice. Durante a pandemia, em 2020, teve posições duras nas medidas de combate ao coronavírus que colocaram o país em destaque.

A consolidação de sua imagem como um ícone progressista se deu em 2019, quando transmitiu sentimentos de conciliação e união nacional após o massacre de 51 pessoas por um extremista em duas mesquitas na cidade de Christchurch. Após a matança, armas semiautomáticas foram banidas no país.

Mas desgastes com a manutenção por longo período da estratégia de Covid zero, agravados pela situação econômica atual, derrubaram a sua popularidade. Sondagem divulgada em dezembro pela Kantar One News Polling apontou que só 29% da população escolheria Ardern para ocupar o cargo mais uma vez –dias antes do pleito de outubro de 2020, quando foi reeleita com uma margem histórica, esse índice era de 55%.

Embora ainda estivesse seis pontos à frente de seu principal opositor, Christopher Luxon, um levantamento paralelo indicou que a aprovação de seu Partido Trabalhista já estava abaixo da do Partido Nacional -agremiação de centro-direita que governava o país antes de sua vitória. Esses resultados dispararam os rumores de que ela poderia renunciar, por mais que ao longo do último mandato não tivesse ajudado a construir um sucessor viável.

“Os dados refletem a migração de eleitores centristas, que estavam com os trabalhistas e passaram para o Partido Nacional”, diz Vieira. A política neozelandesa, no entanto, não repete a polarização de outros países, já que a troca de preferência partidária se dá entre duas siglas do mainstream.

O ACT, mais à direita, e o Partido Verde, mais à esquerda, não tiveram grandes abalos de popularidade, e a ultradireita não tem expressão partidária forte –ainda que reverbere em alguma medida na sociedade civil e nas redes sociais, nas quais a renúncia de Jacinda foi citada como uma “vitória da liberdade”.

Em junho do ano passado, o jornal britânico The Guardian noticiou que ameaças contra a primeira-ministra haviam quase triplicado em três anos, em uma reação às campanhas de vacinação.

A renúncia dá ao Partido Trabalhista a oportunidade de construir uma narrativa de mudança antes das eleições de 14 de outubro. “Ela está olhando as pesquisas e sabe que deve perder. Então, dá ao sucessor uma chance de governar por um tempo e construir popularidade para tentar salvar a legenda”, diz Mello. “Ao mesmo tempo, saindo com a popularidade relativamente alta, tem um futuro político –talvez fora do país.”

Em seu pronunciamento, Jacinda disse que acredita na vitória trabalhista. O vice-premiê e ministro das Finanças, Grant Robertson, já disse em comunicado que não deve ser o candidato da legenda.

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