(FOLHAPRESS) – O coordenador da Defesa Civil de Itaquaquecetuba (Grande SP) iniciou a caminhada por um matagal, às margens do córrego Jaguari, à procura da origem do inconfundível cheiro de amônia. Não demorou para encontrar um cano de PVC do qual escorria um líquido escuro diretamente no curso d’água.
“É da borra de alumínio”, disse Anderson Marchiori dos Santos Silva, o coordenador. “A borra, em contato com a água, produz a amônia”, explicou ele, sobre a pista para encontrar infratores.
O flagrante realizado por funcionários de Itaquaquecetuba, acompanhado pela Folha no final de novembro, é exemplo de um problema enfrentado por municípios da região metropolitana com empresas de reciclagem de alumínio, suspeitas de contaminarem rios e lençóis freáticos.
Ao menos seis empresas foram flagradas em irregularidades desde 2021. Metade delas é alvo de investigações da Polícia Civil ou do Ministério Público sob a suspeita de descarte irregular de produtos em cursos d’água e era monitorada a pedido da Promotoria.
As suspeitas envolvem empresários conhecidos no setor como “lavadores de borras”, contratados pela própria indústria de reciclagem de alumínio para tentar recuperar o metal remanescente no subproduto resultante do processo de fundição de sucatas, a “borra preta” ou “borra salina”.
“É um problema sério. Há uma concentração dessas empresas ali na região de Suzano, Itaquaquecetuba, na cabeceira do rio Tietê”, disse o presidente da Abrem (Associação Brasileira dos Recicladores de Metais).
O nome “lavadores” ocorre porque as empresas ficam à margem de rios ou córregos e utilizam água na dissolução das borras para, daí, extrair o alumínio. A cada 1.000 toneladas de borra são retiradas cerca de 50 toneladas de alumínio.
Pelas regras ambientais, após a “garimpagem” do metal, a água utilizada nesse processo deve ser recuperada, e a sobra do material obrigatoriamente descartada em aterros classe 1 -especiais para receber resíduos perigosos, prejudiciais à saúde.
A situação de Itaquaquecetuba chamou a atenção da associação, segundo Lopes, após o prefeito Eduardo Boigues Queroz (PP) compartilhar nas redes sociais vídeos nos quais denunciava a degradação ambiental provocada pelas empresas e pedia à população que denunciasse infratores.
“A gente vem fazendo o desassoreamento do rio, com o Daee [Departamento de Águas e Energia Elétrica]. São meses de trabalho, e, quando você vê, em um final de semana, o trabalho de meses é jogado fora. Eles não são empresários, são criminosos”, disse o prefeito.
De acordo com o município, a fiscalização encontra certa dificuldade em flagrar as irregularidades porque os descartes de resíduos são feitos geralmente à noite, em feriados ou em dias chuvosos -a chuva ajuda a reduzir o odor da amônia.
Além das empresas de Itaquaquecetuba, também houve registro de problemas em Suzano e Guarulhos.
A associação de recicladores estima que cada uma das empresas que atuam na região de Itaquaquecetuba produza cerca de 1.000 toneladas de resíduos ao mês. No estado, ainda segundo ela, há cerca de dez empresas trabalhando nesse ramo, cerca de 30 em todo o país.
“Com tanto sal, vai deixar a água salobra, e deixando a água salobra, mata todos os peixes e toda a vida que tem ali naquele rio. Fora isso, esse sal pode penetrar no solo e atingir até os lençóis freáticos. [A água] Vai ficar imprópria para consumo, para potabilidade, para irrigação, para uma porção de coisas”, afirma Lopes.
O flagrante presenciado pela Folha, no final de novembro, foi feito pelas equipes de Itaquaquecetuba, mas a empresa estava na vizinha Suzano. Por isso, restou aos fiscais o acionamento da fiscalização local por telefone.
De acordo com Yasmin Zampieri Sampaio, secretária do Meio Ambiente de Itaquaquecetuba, três empresas estavam sendo monitoradas no final do ano, instalada às margens do Caputera.
Uma delas tinha sido multada duas vezes após ter sido constatado o descarte irregular, em 2021 e 2022.
“Nessa empresa foi constatado o descarte em flagrante. Retiramos as tubulações clandestinas com a máquina escavadeira e os responsáveis foram conduzidos ao DP [distrito policial]”, disse a secretária.
A Folha procurou por uma semana os responsáveis pela empresa Ecológica Reciclagem, mas não teve resposta. A reportagem enviou mensagens para os celulares dos responsáveis que aparecem nos registros oficiais, ligou para todos os telefones registrados em nome da empresa e enviou e-mail ao contador da empresa, que aparece em sites especializados, também sem retorno.
Para o presidente da associação dos recicladores, há necessidade de uma alteração nas leis sobre a destinação dos resíduos da reciclagem. As empresas geradoras da borra, defende, deveriam ser impedidas de vender o material como sucata e serem obrigadas a dar uma destinação correta.
Procurada, a Prefeitura de Suzano informou que a empresa flagrada pela equipe de Itaquaquecetuba tinha sido fechada em novembro após trabalho de fiscalização, por estar em uma área irregular. “As medidas administrativas com relação à empresa foram tomadas e as medidas jurídicas estão sendo analisadas junto ao setor jurídico da prefeitura”, diz nota enviada à reportagem.
“Vale destacar ainda que crimes do gênero são acompanhados pela Polícia Civil, pelo Gaema (Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente), pela Cesteb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo) e demais órgãos competentes, voltados à proteção ambiental”, diz nota.
A Cetesb, também procurada, diz que realizou ações conjuntas de fiscalização com equipes da Prefeitura de Itaquaquecetuba em empresas que atuam no ramo de recuperação e lavagem de borra de alumínio, no mês de setembro de 2022, mas não foram observadas irregularidades.
A companhia informou, ainda, que, nos últimos dois anos, duas dessas empresas “foram objeto de autuação mediante advertências e multas, por funcionamento sem as devidas licenças, disposição inadequada de resíduos ou lançamento de efluentes em corpo d’água”.
Ainda segundo a nota, a Agência de Guarulhos, aplicou um Auto de Interdição Temporária em uma empresa que, desde janeiro de 2021, “encontra-se com suas atividades paralisadas”.
“No caso, o empreendimento possuía Licença de Operação da Cetesb, no entanto, a sua renovação foi indeferida, uma vez que a empresa não estava atendendo às exigências técnicas estabelecidas para o seu funcionamento, o que motivou a aplicação de multas e finalmente a interdição mencionada.”