(FOLHAPRESS) – O fornecimento da Cannabis medicinal pelo SUS no estado de São Paulo ainda deve levar algum tempo para se concretizar. Após a lei prevendo a medida ser sancionada pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), deve ser discutido como ela será posta em prática.
Um dos pontos a ser discutido, por exemplo, é para quais doenças a Cannabis medicinal será ofertada na rede pública de saúde.
Entenda, a seguir, os próximos passos para que a lei entre em vigor, as preocupações em relação ao cumprimento da lei e as críticas em relação ao projeto.
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QUAIS SÃO OS PRÓXIMOS PASSOS PARA A LEI ENTRAR EM VIGOR?
Sancionada nesta terça-feira (31) e publicada no Diário Oficial nesta quarta (1º), a política agora é de responsabilidade da Secretária de Saúde, que deve definir as competências em cada nível de atuação.
Em até 30 dias, a pasta precisa criar uma comissão de trabalho para implantar as diretrizes da lei com a participação de técnicos, representantes de associações sem fins lucrativos de apoio e pesquisa à Cannabis e de associações representativas de pacientes. Após a publicação no Diário Oficial, a lei deve entrar em vigor em até 90 dias.
A LEI É INÉDITA NO BRASIL?
Não. Em 2016, foi promulgada no Distrito Federal uma lei que inclui o canabidiol na lista de medicamentos distribuídos pela rede pública de saúde dentro do Programa de Prevenção à Epilepsia e Assistência Integral às Pessoas com Epilepsia. Em Búzios (RJ) e Goiânia (GO), as prefeituras adotaram o uso da Cannabis medicinal na rede pública para ajudar famílias de baixa renda.
Porém, de acordo com especialistas, há uma questão nesses locais. Os produtos da Cannabis não são medicamentos e não são registrados como medicamentos. Eles são categorizados pela própria Anvisa como produto derivado da Cannabis.
“Em toda a lei de licitação e aquisição se fala em medicamento. Por isso, há um hiato entre a lei de fornecimento de medicamento e a regulamentação da Cannabis. Esses estados e municípios precisam fazer uma ponte [para solucionar] esse hiato”, diz Emilio Figueiredo, advogado na Rede Reforma.
POR QUE ARTIGOS DA LEI FORAM VETADOS?
Dos dez artigos que a lei continha, seis foram vetados pelo governador. Uma das justificativas foi de que o governo do estado compreendeu que o texto restringia conceitos a definições que podem ser alteradas pela Anvisa no futuro. Por isso, a lei poderia ficar desatualizada, prejudicando os pacientes.
Neurocirurgião funcional e diretor técnico do CEC (Centro de Excelência Canabinoide), Pedro Pierro afirmou que a lei está muito bem escrita porque põe todos os critérios a cargo da Anvisa.
Mas ele faz uma ressalva: a lei não detalha quais doenças poderão ser tratadas. “Se a lei for restrita a poucas doenças, as pessoas vão continuar entrando pelo Judiciário para conseguir”, disse Pierro.
Durante a cerimônia de sanção da lei, Tarcísio explicou que os vetos ocorreram para que a equipe responsável pela regulamentação fique a cargo dos trechos mais específicos da lei.
Emilio Figueiredo, advogado da Rede Reforma, vê a decisão com bons olhos. “Se isso for acordado pelo grupo de regulamentação, vai ser ótimo porque a lei traz uma limitação em termos de produto muito grande. Uma vez que diz que só pode medicamento derivado de canabidiol, o texto não está contemplando os milhares de produtos que existem no mercado internacional.”
QUAL A ORIGEM DOS PRODUTOS?
A lei prevê o fornecimento gratuito de medicamentos de derivado vegetal à base de canabidiol, em associação com outras substâncias canabinoides, incluindo o THC, em caráter de excepcionalidade.
A Anvisa já autorizava a importação da Cannabis medicinal e já liberou a venda de cerca de 20 produtos à base de Cannabis em farmácias e drogarias brasileiras. Antes da lei, o que acontecia é que as famílias precisavam pagar pela importação dos remédios ou entrar com medidas judiciais para que o medicamento fosse custeado pelo governo.
O POSICIONAMENTO DO CFM PODE ATRAPALHAR O PROCESSO?
No ano passado, o CFM (Conselho Federal de Medicina) publicou uma resolução que tornava ainda mais restritiva a indicação do canabidiol (CBD) para uso medicinal. Após críticas, a entidade revogou a resolução.
Farmacologista de canabinoides, Fabricio Pamplona diz que o posicionamento do CFM não tem nenhum peso diante da Anvisa ou de leis. Mas a postura da entidade, diz ele, pode confundir a opinião pública. “O CFM tem a prerrogativa de entrar com um processo ético contra um médico que prescreva contra a recomendação do próprio conselho. Então, esse é um mecanismo que inibe o comportamento dos médicos. É uma espécie de ameaça.”