Estudo revela migração escandinava até o Império Romano a partir do século 1º

REINALDO JOSÉ LOPES
SÃO CARLOS, SC (FOLHAPRESS) – Com a ajuda de uma nova metodologia de análise comparativa do DNA, uma equipe internacional de cientistas flagrou o rastro genético da expansão de grupos vindos da Escandinávia a partir do século 1º d.C., um processo que provavelmente contribuiu para a queda do Império Romano e para o surgimento de muitos povos europeus atuais, como os ingleses, alemães e suíços.

 

O estudo sobre o tema, que acaba de sair na revista especializada Nature, é particularmente impactante porque parece confirmar, ao menos em parte, o que dizia a tradição oral dos chamados bárbaros germânicos, como são conhecidos os povos que invadiram e acabaram destruindo a parte ocidental dos domínios de Roma.

De fato, as histórias contadas por esses povos, como os godos, lombardos, burgúndios e vândalos, falavam de regiões de origem na Escandinávia ou nas áreas adjacentes do atual norte da Alemanha. Esses grupos, segundo relatos de historiadores do período romano ou do começo da Idade Média, teriam migrado progressivamente para o sul ao longo dos séculos, entrando em conflito com as forças de Roma ou, às vezes, aliando-se a elas.

Em linhas gerais, esse cenário bate com os dados de DNA apresentados na Nature pela equipe de Pontus Skoglund, do Laboratório de Genômica Antiga do Instituto Francis Crick, em Londres (Inglaterra). No trabalho, Skoglund e seus colegas analisaram o genoma de mais de 1.500 europeus que viveram entre 500 a.C. e 1.000 d.C., período que vai do fim da Idade do Bronze até a Era Viking, no auge da Idade Média.

Só foi possível “enxergar” o avanço das populações escandinavas rumo ao sul graças a novos avanços metodológicos, diz Leo Speidel, coautor do estudo que foi pesquisador do Instituto Francis Crick e hoje trabalha no Riken, instituição de pesquisa básica do Japão.

“Nós já tínhamos ferramentas estatísticas confiáveis para comparar as características genéticas de grupos humanos muito diferentes, como antigos caçadores-coletores e agricultores primitivos, mas análises robustas de mudanças populacionais mais sutis, como as migrações que revelamos no novo artigo, tinham ficado obscurecidas até agora”, explicou ele em comunicado oficial.

“O objetivo era criar um método de análise de dados que nos oferecesse uma lente mais aguçada para enxergar a história genética em escala detalhada”, completa Pontus Skoglund.

A nova metodologia criada nesse esforço foi apelidada de Twigstats (algo como “estatística dos galhinhos”, em inglês) porque ela concentra sua análise em alterações do DNA relativamente bem recentes, na “ponta dos galhinhos” das árvores genealógicas das populações europeias. Com isso, ficou relativamente mais fácil diferenciar grupos do mesmo continente que se separaram uns dos outros apenas nos últimos milhares de anos, o que é pouquíssimo tempo em termos evolutivos.

Com a ajuda do Twigstats, os pesquisadores verificaram que um componente genético típico da Escandinávia começa a aparecer em regiões mais ao sul, como as atuais Polônia e Eslováquia, no século 1º d.C. -curiosamente, é também nessas áreas que cronistas do Império Romano situam alguns dos migrantes escandinavos nesse período.

Os grupos citados nas crônicas romanas, assim como muitos dos povos atuais associados a eles, falam as chamadas línguas germânicas, descendentes de um idioma ancestral comum entre as quais estão o inglês, o alemão e o holandês, além de, é claro, as línguas escandinavas (dinamarquês, sueco, norueguês e islandês -o finlandês pertence a um grupo totalmente diferente).

Os dados históricos indicam que, ao longo do tempo, várias dessas populações foram sendo atraídas para a fronteira com o Império Romano, que, na época, coincidia com o curso dos rios Reno e Danúbio (em locais como a atual cidade alemã de Colônia e o oeste da Hungria moderna, por exemplo). Havia oportunidades de enriquecimento por meio do comércio com Roma e mesmo pela participação no Exército romano no papel de forças auxiliares, cujos membros, mais tarde, podiam até receber a cidadania.

Com o tempo, grupos germânicos foram ganhando cada vez mais importância para as forças militares romanas. Alguns chefes se tornaram generais do império, enquanto outros buscaram criar regiões autônomas só para si dentro do território imperial. Esse processo, por fim, levou à fragmentação da parte ocidental do império, com a formação dos chamados reinos bárbaros em locais como a Gália (atual França), a Espanha e a Bretanha (Inglaterra e País de Gales).

As análises genômicas ajudaram a detectar esse processo, flagrando ancestralidade escandinava num cemitério militar ou de gladiadores na atual Inglaterra (entre os séculos 2º d.C. e 4º d.C.), na Hungria, na Baviera (sul da Alemanha) e no norte da Itália entre os séculos 4º d.C. e 6º d.C.

Não se deve imaginar, porém, que os grupos de origem escandinava exterminaram os habitantes originais do Império Romano. Em todos os lugares, há sinais de um processo de miscigenação, em que os recém-chegados foram se juntando às populações nativas.

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