SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Após quase cinco anos de testes, a Força Aérea dos Estados Unidos cancelou seu principal programa de míssil hipersônico, em mais um revés numa corrida em que está bem atrás da Rússia e da China, seus principais rivais militares.
O motivo foi um novo fracasso em teste do AGM-183A ARRW (sigla inglesa para Arma de Reação Rápida Lançada do Ar, mas que soa como “flecha”), no dia 13 passado.
O modelo era a aposta central do governo americano nessa tecnologia que leva mísseis de 5 a 20 vezes a velocidade do som, que havia concedido um contrato de US$ 480 milhões (equivalentes a US$ 574 milhões hoje, ou R$ 2,9 bilhões) à Lockheed Martin em 2018 para seu desenvolvimento.
O cancelamento foi informado em um documento enviado ao Congresso americano pelo secretário assistente de Aquisições da Força, Andrew Hunter, que não detalha a natureza dos problemas. Os EUA vêm testando a tecnologia, sem muitos avanços, desde 2010.
O desenvolvimento do ARRW foi problemático, com uma série de fracassos, mas em dezembro do ano passado enfim um teste completo deu certo. É uma arma do tipo planador hipersônico, que a Rússia já opera e que a China alegadamente testou no ano passado.
No sistema, um míssil balístico de combustível sólido é lançado de um bombardeiro, no caso dos testes um gigante B-52H, vai até velocidades até 20 vezes acima da do som (24 mil km/h) e solta um planador, que pode manobrar até chegar a seu alvo com uma carga bélica –no caso do mesmo modelo russo, o Avangard, ela pode ser nuclear.
Agora, sobrou aos EUA apenas um programa de hipersônico, o de um modelo menor e teoricamente mais simples, o HACM (Míssil de Ataque de Cruzeiro Hipersônico) da Raytheon. Ele já passou por quatro testes bem-sucedidos, tendo voado pela primeira vez em setembro de 2021.
No ano passado, a fabricante foi contratada para continuar o desenvolvimento. É um míssil menor, que pode ser lançado de caças F-15, e atinge uma velocidade cinco vezes acima da do som (6.100 km/h), com capacidade de manobra.
Seu motor é um scramjet, que injeta combustível líquido em um fluxo supersônico de oxigênio, fabricado pela Northrop Grumman. Ele não carrega explosivos: sua ogiva é cinética, isto é, destrói o alvo com a energia liberada pelo impacto em altíssima velocidade.
O ARRW já havia desaparecido, como programa independente, da programação orçamentária do Departamento de Defesa, que enviou um pedido inédito de US$ 842 bilhões (R$ 4,3 trilhões hoje) para gastar no ano fiscal de 2024 (que começa em 1º de outubro).
Em apresentação ao Congresso, o chefe do Estado-Maior Conjunto dos EUA, general Mark Milley, disse que pela primeira vez o país corria o risco de enfrentar um conflito simultâneo contra duas potências nucleares, a Rússia ora envolvida na invasão da Ucrânia, e sua aliada China, rival estratégica principal dos americanos na Guerra Fria 2.0.
As armas hipersônicas vêm sendo vendidas como instrumento de guerra do futuro por sua capacidade de manobra a altíssimas velocidades, escapando de defesas antimísseis. Inicialmente, os EUA buscaram minimizar o impacto das armas, voltando a apostar em um novo bombardeiro furtivo ao radar, o B-21, mas recentemente elas voltaram ao discurso público de prioridades.
A Rússia está na frente na corrida, já tendo colocado em operação o Avangard, o Tsirkon (modelo naval com motor scramjet) e o Kinjal (modelo balístico lançado de caças, que já é empregado na Ucrânia). Eles fazem parte do pacote de “armas invencíveis” lançado por Vladimir Putin em 2018, para ceticismo inicial no Ocidente.
A China não ficou atrás, e em 2019 anunciou ter operacional o planador hipersônico lançado do míssil DF-17, além de outros modelos. Outros países menores na liga dos rivais dos EUA, como Coreia do Norte e Irã, também dizem ter testado mísseis hipersônicos. Há programas de nações aliadas dos americanos em estágios diversos, mas nenhum deles próximo de ser introduzido em ação.