EUA e Seul respondem a pacto Putin-Kim com manobra militar

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Os Estados Unidos e a Coreia do Sul responderam à viagem de Vladimir Putin a Pyongyang, onde assinou um surpreendente pacto de defesa mútua com a ditadura de Kim Jong-un na quarta (19), com um exercício militar de suas forças aéreas.

A ação ocorreu ao longo de quatro dias, culminando nesta quinta (20) com o emprego de um americano AC-130J, versão mortífera do quadrimotor de transporte Hércules armada com mísseis e um canhão de 105 mm usado usualmente em blindados.

Ele fez disparos reais no mar Amarelo, acompanhado por caças F-15 e F-16 da Coreia do Sul. Outros exercícios ocorreram em todo o território sul-coreano, planejados como sinal à presença de Putin, mesmo antes do anúncio do pacto.

As manobras ocorrem enquanto Putin promove um grande exercício aeronaval em torno da península coreana e do Japão, envolvendo 40 navios e 20 aviões da Frota do Pacífico, baseada em Vladivostok.

Também nesta quinta, o governo sul-coreano criticou duramente o pacto e disse que agora considera o envio de armamentos para a Ucrânia, algo que relutava em fazer.

“O governo enfatiza claramente que qualquer cooperação que ajude a Coreia do Norte a aumentar seu poder militar, direta ou indiretamente, é uma violação de resoluções do Conselho de Segurança da ONU”, afirmou a Presidência, em nota.

É um recado específico à Rússia, que como membro permanente do órgão máximo das Nações Unidas, aprovou nove resoluções com sanções aos norte-coreanos de 2006 a 2017. E o fez em conjunto com a aliada China, também próxima de Pyongyang, e as potências ocidentais. Putin deixou isso de lado agora.

Em visita ao Vietnã, nesta quinta, o russo afirmou que tal decisão de Seul seria “um grande erro” e que encontraria “resposta”. E voltou a dizer que seu país pode rever a doutrina de emprego de armas nucleares, dado o que chamou de “nova realidade” -hoje, em tese Moscou só recorre à bomba em caso de ataque atômico ou de risco existencial ao Estado.

O pacto Putin-Kim, cujo texto foi divulgado nesta quinta, prevê assistência militar mútua em caso de invasão, além de falar de cooperação militar, espacial, na área alimentar e de energia nuclear.

Em Hanói, o russo reiterou que poderá fornecer armas e tecnologia bélica para a Coreia do Norte contra os EUA, como uma forma de retribuição pelo fato de Washington e seus aliados terem autorizado o emprego de seus armamentos cedidos a Kiev contra o território russo.

A suspeita de analistas é de que com isso Putin irá escalar a ajuda que já dá para o programa nuclear de Pyongyang. O salto demonstrado por Kim em 2017, quando testou um míssil balístico intercontinental capaz de atingir os EUA, só foi possível pela adoção de motores de desenho russo.

Há outros desafios. Os norte-coreanos dizem ter miniaturizado as ogivas que têm para fazê-las caber em mísseis, mas é preciso tecnologia específica para que os veículos que as carregam não se desfaçam na reentrada da atmosfera rumo ao alvo. Isso os russos têm de sobra.

Do lado russo, o senso comum é de que Putin quer munição extra, mais simples, para emprego na Ucrânia. Ambos os países usam o padrão soviético de artilharia de campo, de 152 mm, e destroços de mísseis balísticos de curto alcance norte-coreanos já foram encontrados no país invadido em 2022 após os líderes terem se reunido na Rússia no ano passado.

Mas Kim é também um peão geopolítico importante, ainda que de comportamento imprevisível e mercurial, no jogo da Guerra Fria 2.0. O fato é que a proteção prometida por Moscou eleva riscos de entrechoques na península coreana, lar de quase 25 mil soldados americanos, e muda o balanço de poder e cálculos militares em toda a região.

A China, por sua vez, segue calada sobre o pacto, cuja magnitude faz crer que Pequim havia sido informada de sua existência. Pequim sempre foi a fiadora econômica de Pyongyang, a defende retoricamente, mas tem feito acenos a Seul, montando um grupo de trabalho sobre segurança com os sul-coreanos que estava reunido quando Putin visitou a ditadura comunista.

Depois da viagem à Coreia do Norte, o russo foi para o Vietnã, país que tem mantido uma posição equidistante nos embates geopolíticos, tendo recebido recentemente em visitas de Estado o americano Joe Biden e o chinês Xi Jinping.

Além dos comentários bélicos, Putin agradeceu a posição dos anfitriões no cenário internacional -os vietnamitas se abstiveram de condenar a Rússia em duas votações sobre a guerra na ONU e não participaram da conferência de paz promovida pela Suíça no fim de semana passado.

O presidente buscou enfatizar laços econômicos com o Vietnã, onde há diversos projetos energéticos de empresas russas. Ele afirmou ao premiê Pham Minh Chinh a disposição de estabelecer uma linha de suprimento de gás natural liquefeito para o país, buscando mais um mercado para substituir aqueles perdidos na Europa devido à guerra.

Do ponto de vista político, Putin sinaliza assim que não está tão isolado do mundo quanto o Ocidente, com suas sanções, gostaria. Diferentemente da Coreia do Norte, o país está integrado à economia mundial -suas exportações desde que empresas chinesas transferiram linhas de produção para lá quase duplicaram em proporção do PIB.

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