Favelas têm maior proporção de templos religiosos do que o resto das cidades, mostra pesquisa

 (FOLHAPRESS) – É só olhar em volta. “Tem bastante igreja aqui, viu?”, diz Luiz Fernando Vieira de Lima, 47, ele próprio um pastor, da Assembleia de Deus Gileade.

 

Luiz não sabe precisar quantos templos, mas só por aquelas bandas do Parque Santo Antônio (zona sul paulistana) “são uns 20 ou 30”. Igreja Católica: um.

Levantamento feito pelo Observatório da Religião e Interseccionalidades do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), com base no Censo 2022, mostra com dados o que já se percebe de vista: na maioria das grandes cidades do país, há proporcionalmente mais estabelecimentos religiosos em comunidades e favelas do que fora delas.

Isso é fato em 25 das 27 capitais brasileiras. Esse cálculo considerou a proporção de templos por mil habitantes dentro das favelas e fora delas em cada um dos municípios.

Duas capitais do Sul brasileiro lideram o ranking.

Primeiro vem Porto Alegre (RS), onde o número de espaços religiosos por mil habitantes é 116% maior dentro do que fora das favelas.

Do 1,3 milhão de habitantes, 175,5 mil (13% da população) moram nessas áreas tidas como socialmente mais vulneráveis. Já os estabelecimentos religiosos ali são 481 (24,6%) dos 1.951 mapeados na maior cidade gaúcha -o que dá uma média de 2,7 igrejas por mil habitantes.

Na outra porção urbana, são 1.470 templos para 1,1 milhão de habitantes, ou seja, 1,3 espaços de crença para cada mil habitantes.
Florianópolis é a segunda colocada. As duas capitais mais populosas, São Paulo e Rio de Janeiro, aparecem bem abaixo, na 25ª e 18ª posições, respectivamente.

Em São Paulo, as favelas concentram cerca de 16% dos 15,7 mil locais dedicados a cultuar uma religião. Não destoa muito da porcentagem de gente vivendo nelas: 15% de 11,4 milhões de moradores.

O Censo não diferencia a qual crença pertence cada estabelecimento religioso. A princípio engloba tudo: igrejas católicas e evangélicas, terreiros, sinagogas etc. Mas outros levantamentos indicam que há uma maioria de templos evangélicos.

Pesquisa divulgada em 2023 pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) dimensionou a expansão dessa fé no território nacional. Entre 1998 e 2021, a presença das igrejas evangélicas, principalmente as pentecostais, aumentou 228,5%. Isso sem contar as incontáveis igrejas sem CNPJ, com estruturas improvisadas na informalidade. Os 87,5 mil templos evangélicos regularizados em 2021 eram sete em cada dez estabelecimentos religiosos no país, contra 11% católicos.

O que a pesquisa do Cebrap fez foi cruzar informações colhidas pelo Censo mais recente sobre a geografia religiosa e as áreas consideradas “favelas e/ou comunidades urbanas”, nomenclatura adotada pelo IBGE, órgão responsável pelo levantamento nacional.

Dos 5.570 municípios brasileiros, 585 deles têm tanto favelas quanto estabelecimentos religiosos identificados pelo instituto. Levando em conta esse contingente, 19 estados brasileiros, além do Distrito Federal, possuem maior proporção de templos nas favelas do que fora delas. As exceções: Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul, Alagoas, Amazonas, Pará, Ceará e Acre.

Entre as capitais, apenas Rio Branco (AC) e Campo Grande (MS) têm menos lugares do tipo dentro das comunidades do que fora.

Em São Paulo são 49 municípios, capital inclusa, com taxa maior de templos em comunidades. Pastor Luiz, que antes só queria saber “de jogar bola e ser jogador profissional”, lidera uma delas.

Ele conta que se converteu por influência de uma tia “que já dorme no Senhor” e credita a Deus seu chamado para o “ofício pastoral de cuidar de pessoas”.

O trabalho pode ser custoso. Ele calcula em até R$ 6.000 mensais as despesas para manter sua Assembleia de Deus Gileade na periferia paulistana. O dízimo nem sempre cobre esse valor, e ainda tem os trabalhos assistenciais para “servir à obra de Deus”, segundo ele.

“Na verdade, é muito dificultoso, né? A maioria é de pessoas assalariadas. Tem, sim, as que são proprietárias de salão de cabeleireiro e tal, mas são poucas.” Com o pessoal passando sufoco para pagar boleto, pode faltar para ofertar à Gileade.

Não que “Deus precise de dinheiro, mas Sua obra precisa, porque tem muita coisa para fazer: ajudar as pessoas a pagar uma conta de água, de luz”, ele faz a ressalva. Só o aluguel do salão, reformado para transformar uma oficina mecânica em igreja, sai por R$ 2.400. São cadeiras pretas enfileiradas e um púlpito com o letreiro “em Teu nome”.

Igrejas de pequeno porte como a de Luiz, que comportam até 200 fiéis, são 71% da malha evangélica da capital paulista, composta sobretudo por mulheres negras, em famílias com renda de até três salários mínimos, como mostrou pesquisa Datafolha de junho.

O perfil, embora remeta à capital paulista, espelha uma realidade nacional: são as “igrejinhas de bairro” e afins, e não as gigantes do segmento, que prevalecem no evangelicalismo brasileiro.

Renata Nagamine, pesquisadora do Núcleo de Religiões no Mundo Contemporâneo do Cebrap, destaca os laços comunitários que as igrejas proporcionam como bem valioso nas periferias urbanas.

“Esses estabelecimentos funcionam como redes de apoio, atuando inclusive por meio da assistência, e como espaços de reconhecimento, de sociabilidade”, diz. “Podemos entender que a religião, por meio de seus espaços, suas práticas e sua linguagem, estrutura a própria experiência da cidadania, o que fica mais evidente onde o Estado falta ou falha.”

As igrejas “com frequência suprem a falta de serviços que o Estado deveria prestar”, como doar cestas básicas ou fornecer cursos de formação. “São espaços de controle, mas também de cuidado.”

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