SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O general Fattah al-Burhan, líder do Sudão, descartou uma trégua nos combates que tomaram o seu país enquanto o grupo paramilitar RSF (Forças de Apoio Rápido, em português) continuar “fechando rodovias e impedindo a livre circulação das pessoas”, em suas palavras.
“Não há opção senão a solução militar”, afirmou o militar à emissora Al Jazeera nesta quinta-feira (20). “Uma trégua real não pode ser implementada nessas condições.”
Horas antes, seu rival e líder da RSF, Mohamed Hamdan Dagalo, disse à mesma rede de televisão que estava pronto para implementar uma trégua durante o Eid al fitr, feriado islâmico que marca o fim do período de jejum do Ramadã –neste ano, a celebração é nesta sexta (21). “Estamos falando de uma trégua, de corredores humanitários. Não estamos falando de sentar com um criminoso”, acrescentou Hemedti, como é conhecido, sobre seu adversário.
Essa é mais uma das divergências dos antigos aliados que, juntos, derrubaram a ditadura de 30 anos de Omar al Bashir em 2019 e, agora, mergulharam o Sudão em uma onda de violência que já matou 330 pessoas e feriu outras 3.200 desde o último sábado, segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde). As Nações Unidas classificaram a situação atual do país de catástrofe humanitária.
A despeito dos apelos da comunidade internacional, as tentativas de cessar-fogo têm falhado sucessivamente enquanto sudaneses fogem do país em meio a combates. Nesta quinta, milhares de pessoas cruzaram para o vizinho Chade para fugir da violência da região de Darfur –ainda marcada por um conflito que terminou há três anos– e outros milhares deixaram a capital Cartum, uma das maiores áreas urbanas da África.
“Às 4h30, fomos acordados com o barulho dos ataques aéreos. Fechamos todas as portas e janelas por medo de alguma bala perdida”, afirmou à agência de notícias AFP Nazek Abdalá, 38, morador de Cartum. Outro habitante da capital relatou que alguns bairros do centro cheiravam a cadáveres.
Os que tentam sair precisam passar por corpos, tanques e caminhões nas ruas, evitando as áreas mais perigosas da cidade de onde sobem espessas colunas de fumaça. Ao chegar na fronteira, os sudaneses podem passar ainda por revistas e perguntas de soldados da RSF e do Exército.
Em meio a esse caos, o Egito conseguiu, graças à mediação dos Emirados Árabes Unidos, repatriar 177 de seus soldados que estavam em uma base aérea no norte do Sudão. O Exército sudanês havia dito inicialmente que eles haviam sido capturados pelos paramilitares, mas depois corrigiu sua declaração e afirmou que havia usado mal a palavra “capturado”. Outros 27 soldados egípcios foram entregues à Cruz Vermelha Sudanesa e aguardam o repatriamento da embaixada em Cartum.
Em Genebra, a OMS pede aos combatentes pela abertura de um corredor seguro para médicos e civis. Já as potências internacionais engrossam o coro da organização enquanto tentam transportar seus cidadãos depois que o aeroporto e os arredores das embaixadas foram atingidos pela violência. Os EUA, por exemplo, disseram que a operação de resgate não seria segura no momento, e o Ministério da Defesa do Japão colocou aeronaves de transporte militar em Djibuti para retirar 63 de seus cidadãos.
Quem fica não consegue saber qual força comanda as instituições do país em meio à guerra de versões das duas facções e lida com apagões, falta de água e desabastecimento de alimentos e combustível. Segundo analistas, a RSF tem até 100 mil soldados, enquanto o Exército conta com aviões de artilharia e caça e controla o acesso a Cartum.
“Não há comida, os supermercados estão vazios. A situação não é segura, francamente, então as pessoas estão indo embora”, disse um morador de Cartum à Reuters, que se identificou apenas com seu primeiro nome: Abdelmalek. Um litro de combustível custa agora US$ 10 (R$ 50,46), em um dos países mais pobres do mundo.
Segundo médicos afirmaram à AFP, há relatos de bombardeios em hospitais, que já sofriam com a falta de insumos. Em cinco dias, “70% dos 74 hospitais de Cartum e das áreas afetadas pelos combates ficaram fora de serviço”, segundo um sindicato de médicos.
Em entrevista ao jornal britânico Financial Times, Burhan acusou os combatentes de saquear e atacar diplomatas estrangeiros e trabalhadores humanitários. No conflito, três funcionários do Programa Mundial de Alimentos da ONU foram mortos em Darfur, o que levou a organização a interromper suas operações no país –em tempos normais, cerca de um quarto da população do Sudão enfrenta fome aguda.
Washington disse ter indícios preliminares de que o RSF estava por trás de um ataque a seus diplomatas, e testemunhas dizem que homens armados do grupo paramilitar estiveram envolvidos em saques e ataques a trabalhadores humanitários.
A violência que se intensificou nos últimos dias não começou no último sábado. Mais de 120 civis morreram na repressão contra as manifestações pró-democracia dos últimos 18 meses. O início dos confrontos, porém, foi o ponto máximo das profundas divergências entre os líderes do Exército e as RSF –eles não chegaram a um acordo sobre como integrar a milícia às Forças Armadas.
A ONU, a União Africana, a Liga Árabe e outras organizações regionais devem se reunir novamente nesta quinta para pedir um cessar-fogo.