BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) – Questionado sobre a situação dos foragidos envolvidos no ataque às sedes dos três Poderes em Brasília, o governo de Javier Milei negou que haja um “pacto de impunidade” com o bolsonarismo para permitir a permanência dessas pessoas na Argentina.
O comentário foi feito pelo economista Manuel Adorni, porta-voz da Presidência, durante sua tradicional entrevista coletiva diária na Casa Rosada, nesta quarta-feira (19). Questionado nesses termos por um jornalista argentino, ele disse que “claramente eles [o governo] não fariam pacto de impunidade com absolutamente ninguém”.
Adorni insistiu, como fez em outras ocasiões, que o caso dos brasileiros foragidos que se acredita estarem no país é judicial, não do Executivo.
“Não temos ingerência. Se a Justiça do Brasil insta a Argentina, nossa Justiça cumprirá a lei. A Justiça tomará as medidas correspondentes quando chegue o momento e nós as respeitaremos.”
Acredita-se que mais de 60 foragidos envolvidos na tentativa de golpe no início do terceiro governo Lula (PT) estejam na Argentina. Eles buscam refúgio no país alegando serem perseguidos políticos, e muitos recebem assistência da Defensoria Pública da União argentina.
Reservadamente, um alto membro da diplomacia argentina disse à reportagem que o que chamou de “burocracia da Justiça brasileira” atrasa qualquer ação e insinuou que pessoas se movem mais rápido do que esses processos.
O Brasil prepara pedidos de extradição dos foragidos para serem em breve enviados à chancelaria argentina por meio da embaixada do Brasil em Buenos Aires e, posteriormente, à Justiça do país.
Também reservadamente, autoridades brasileiras envolvidas no tema dizem que uma das coisas que faltam é a confirmação de que esses foragidos ainda estão na Argentina e não cruzaram fronteiras.
Para isso, o Brasil compartilhou nomes e números de documentos com Buenos Aires à espera de receber a confirmação sobre o paradeiro dessas pessoas. Seus pedidos de refúgio seguem tramitando nos órgãos competentes e independentes, num processo reconhecidamente lento.
Ao cruzarem a fronteira por terra com o país, alguns passando antes pelo Uruguai, os foragidos que buscaram a Argentina se valeram da ideia de que o governo ultraliberal de Javier Milei seria mais favorável à sua estadia no país.
Uma das principais personalidades da ultradireita global, Milei é um aliado do bolsonarismo, ainda que a saída de Jair Bolsonaro do poder tenha rareado as demonstrações públicas de afinidade entre eles.
Há poucas semanas, um grupo de advogados que defendem detidos após o 8 de Janeiro esteve em Buenos Aires, reuniu-se com deputados da base mileísta e compareceu a órgãos públicos ligados à migração para defender que o país conceda asilo político a essas pessoas.
Nos documentos compartilhados com a reportagem por Ezequiel Silveira, da Associação de Familiares e Vítimas do 8 de Janeiro (Asfav), os advogados dizem que os acusados de envolvimento no ataque aos três Poderes “seguem submetidos a condições desumanas e a um processo injusto e parcial”.
“Diante da falta de alternativas, muitos optaram por cruzar a fronteira e solicitar asilo neste país”, seguem os advogados. Eles pedem que o governo argentino inste o Brasil a garantir um processo imparcial.
Recentemente, novas sinalizações do governo argentino fizeram brilhar os olhos de parte da base bolsonarista. No Twitter, a chanceler Diana Mondino disse que a “Argentina sempre será um santuário para aqueles que são perseguidos por exercer sua liberdade de expressão”.
Foi um recado ao governo de Pedro Sánchez na Espanha, desafeto de Milei, que há poucos dias discutiu com um jornalista no país. Mas, sem destinatário, a mensagem foi acolhida por outros grupos também.
Hoje a Argentina conta com diversos perseguidos políticos do regime de Maduro na Venezuela abrigados em sua embaixada em Caracas. Eles são parte da equipe da ex-senadora Maria Corina Machado, inabilitada para concorrer à Presidência, mas ainda o principal rosto da oposição.
O “timing” para o debate sobre os foragidos do 8/1 na Argentina é curioso. Coincidentemente, neste momento o país discute a prisão de manifestantes que participaram de um amplo protesto nos arredores do Congresso argentino no último dia 12, quando foi votado e aprovado no Senado o pacote liberal e controverso de Milei.
O presidente argentino afirmou que houve uma tentativa de golpe e que os manifestantes detidos atentaram contra as instituições.