BARRA MANSA, RJ (FOLHAPRESS) – Quase um quarto da população idosa mundial poderá estar vivendo em áreas de calor excessivo até a metade do século. A previsão é que em 2050 sejam quase 250 milhões de idosos vivendo em um planeta grassado pelos efeitos do aquecimento global. A exposição a altas temperaturas pode causar desidratação, distúrbios de sódio, disfunção renal e até mesmo a morte, sobretudo entre os mais velhos.
Os dados são de uma nova pesquisa científica publicada na revista Nature Communications. Para Eduardo Ferriolli, professor da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo), a mitigação desses efeitos passa por políticas públicas de saúde coletiva. “A gente precisa, de preferência, prevenir. Como sociedade, temos obrigação de cuidar dos nossos idosos”, diz.
No estudo, publicado nesta terça-feira (14), os pesquisadores analisaram as projeções demográficas dos diferentes continentes e compararam com os dados de temperaturas do planeta previstas para o próximo quartil deste século. Até 2050, é esperado que a exposição ao calor excessivo duplique em todos os cenários.
Os autores do estudo definiram como limiar crítico as temperaturas máximas diárias de 37,5 °C. Hoje, 14% da população com mais de 69 anos já sofre essa exposição crônica ao calor. Segundo as estimativas, na metade do século, mais de 23% dos idosos estarão vivendo nas regiões mais afetadas pelo aquecimento global na África, na Ásia e na América do Sul. As mudanças mais radicais do clima devem ocorrer nas chamadas latitudes médias do planeta, que incluem as regiões centro-sul do Brasil.
Isso é esperado sobretudo com os rápidos crescimentos demográficos recentes pelo que passam os continentes asiático e africano. Por aqui, o aumento do número de idosos deve ser menor, comparado com os valores europeus. De acordo com diferentes estimativas, essa porcentagem significa entre 180 e 250 milhões de pessoas vulneráveis expostas diariamente a altas temperaturas.
Ferriolli explica que a população idosa possui menos mecanismos de defesa contra o calor excessivo. Além do corpo perder mais água pela urina, os mais velhos não conseguem controlar a temperatura do corpo pelo suor de forma eficiente. Para agravar ainda mais a situação, possuem a sede reduzida em relação aos jovens, o que pode levar a cenários de desidratação.
Sem água suficiente no organismo, podem surgir distúrbios de sódio e potássio no sangue e a função renal pode se ver comprometida, uma das principais causas de falecimento. Além disso, como a vasodilatação e a sudorese são menores, o calor sentido na pele pode chegar aos órgãos internos, causando alterações no metabolismo de diversas proteínas. Outro agravante é a locomoção restrita. Muitos idosos acamados ou que dependem de cuidadores podem ter mais dificuldade de buscar um copo d’água, aumentando os casos de desidratação.
No ano passado, pesquisadores da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) publicaram um estudo na revista Plos One que estima um aumento no número de mortes por doenças cardiovasculares e respiratórias durante ondas de calor no estado. O resultado foi obtido a partir de análises computacionais de dados de mais de 40 mil fluminenses.
O trabalho revela uma correlação direta entre o aumento da temperatura média do dia e o maior número de óbitos. Embora a análise estatística mostre que toda a população está igualmente suscetível aos danos do calor, os dados sugerem que mulheres e idosos possam estar mais vulneráveis, sobretudo para o agravamento de quadros cardiovasculares. Os resultados também indicam uma piora da situação durante ondas prolongadas de calor.
A população brasileira, especialmente, está envelhecendo em taxas aceleradas. O aumento do número de idosos, segundo Ferriolli, exigirá atenção da sociedade como um todo. Para o especialista, é fundamental pensar em medidas de saúde pública. Disponibilização de água em bebedouros públicos e oferecimento de sombra, como nos pontos de ônibus cobertos, são medidas que podem mitigar os efeitos do calor excessivo.
A prevenção também passa por precauções individuais, sobretudo com o consumo de no mínimo dois litros de água por dia para pessoas sem problemas cardíacos. No caso dos idosos, o professor Ferriolli recomenda o uso de garrafas com medidas para contornar a falta de sede e calcular o volume de líquido ingerido. Além disso, resfriar e umidificar o ambiente pode ajudar.
O aumento da temperatura média do planeta também poderá impactar o número de acidentes vasculares cerebrais (AVCs). Uma pesquisa recente publicada na prestigiada revista científica JAMA (Journal of the American Medical Association) revelou uma associação entre os dois fatores. O trabalho, que envolveu mais de 80 mil chineses com idade média de 65 anos de idade, revelou que houve um número maior de casos de derrames em horário do dia com temperaturas elevadas, sobretudo aquelas extremamente altas, em torno de 33 ºC.
Modelos computacionais mostraram que em altas temperaturas e desidratado, o sangue fica mais viscoso, aumentando a probabilidade de coagular, afirma Márcio Cataldi, meteorologista e professor da UFF (Universidade Federal Fluminense). O especialista ainda alerta que o impacto na saúde será ainda mais agravado em locais onde a população não esteja habituada a lidar com ondas de calor extremo.
Cataldi explica que não há ainda um consenso entre os pesquisadores sobre o que é uma onda de calor, e é comum que os meteorologistas usem parâmetros arbitrários nas suas pesquisas. Para contornar o problema, o brasileiro está trabalhando junto com especialistas espanhóis no desenvolvimento de um modelo computacional capaz de apontar objetivamente ondas de calor que sejam nocivas para a saúde humana.