O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou, nesta quinta-feira (22), que é inaceitável a proposta da União Europeia (EU) no acordo de livre comércio com o Mercosul, de estabelecer punição para quem descumprir os termos do Acordo de Paris, o tratado internacional sobre mudanças climáticas adotado em 2015. Lula cumpre agenda na Itália e na França nesta semana e falou com a imprensa em Roma, antes de embarcar para Paris.
“Essa proposta de acordo não está em conformidade com aquilo que é o sonho de países da América Latina, como o Brasil, que quer ter o direito de recuperar sua capacidade de industrialização. O Brasil já teve um Produto Interno Bruto [PIB] industrial de 30%, hoje o nosso PIB é apenas 10%”, disse.
“A carta adicional que a União Europeia mandou para o Mercosul é inaceitável […], nem eles cumpriram o Acordo de Paris, ou seja, os países ricos não cumpriram o Acordo de Paris, não cumpriram o Protocolo de Kyoto, não cumpriram a decisão de Copenhague, então é preciso que a gente tenha um pouco mais de sensibilidade, um pouco mais de humildade. Nós estamos preparando a nossa resposta para a União Europeia, para fazermos um acordo que favoreça os dois continentes”, acrescentou o presidente.
Em Paris, Lula terá reunião bilateral com o presidente francês, Emmanuel Macron, e tratará da aprovação, na semana passada, pela Assembleia Nacional da França, de uma resolução contra a ratificação do acordo Mercosul-UE. A medida foi considerada dura pelo presidente brasileiro.
“A França é muito dura na defesa dos seus interesses agrícolas”, disse. “Mas a gente tem que entender que os outros também têm o direito de defender as suas agriculturas, então é preciso que cada um abra mão do seu perfeccionismo e do protecionismo também para que possamos construir a possibilidade de um acordo que melhore a situação da União Europeia e da América do Sul”, reforçou.
Lula também defendeu alterações em pontos do acordo de livre comércio sobre compras governamentais.
Aprovado em 2019, após 20 anos de negociações, o acordo Mercosul-UE precisa ser ratificado pelos parlamentos de todos os países dos dois blocos para entrar em vigor. A negociação envolve 31 países, o que poderá levar anos e enfrentar resistências.
Lula está na Itália desde a última terça-feira (20) e, durante sua passagem por Roma e pelo Vaticano, conversou com diversas autoridades sobre a possibilidade de um acordo para encerrar o conflito entre Rússia e Ucrânia.
“É preciso ter gente envolvida em discutir a questão da paz. É preciso colocar os atores numa mesa de negociação. É preciso parar de atirar e é preciso tentar encontrar uma solução pacífica porque o mundo tem 800 milhões de seres humanos que vão dormir toda noite sem ter o que comer. Não é justo se gastar bilhões de dólares com uma guerra desnecessária”, argumentou o presidente. “Um acordo de paz, não é uma rendição. No acordo de paz, os dois envolvidos têm que ganhar alguma coisa, senão não tem acordo”, disse.
Entre outros líderes, Lula se encontrou com o papa Francisco, com o presidente da Itália, Sergio Mattarella, com a primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, e com o prefeito de Roma, Roberto Gualtieri. Segundo ele, todos concordam com a necessidade de encerrar a guerra.
O presidente criticou novamente a postura dos países-membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas de promover guerras pelo mundo e defendeu nova governança global, com a participação de mais países nas mesas de decisão. Lula reafirmou a posição do Brasil de condenar a ocupação territorial da Ucrânia feita pela Rússia.
“Não dá para imaginar que essa luta vai ser infinita”, disse. “Os dois presidentes precisam ter em conta e todo mundo sabe que o Brasil condenou a ocupação territorial da Ucrânia feita pela Rússia. “Aliás, é moda as pessoas que participam como membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU invadir outros países sem pedir licença. Os Estados Unidos invadiram o Iraque, a Inglaterra e a França invadiram a Líbia, agora o [presidente russo, Vladimir] Putin invade a Ucrânia. Eles são as pessoas mais poderosas no sistema ONU, eles não poderiam estar fazendo isso”, acrescentou.
Os membros efetivos do conselho são China, França, Rússia, Reino Unido e os Estados Unidos.
Apesar dos problemas de saúde, o presidente Lula disse que encontrou o papa Francisco “muito motivado e muito disposto a continuar a luta dele tanto contra a desigualdade quanto para construir a paz no planeta”. Para Lula, é preciso colocar a luta contra a desigualdade no topo das prioridades globais.
No Vaticano, o presidente convidou Francisco a fazer uma nova visita ao Brasil, para assistir à tradicional festa do Círio de Nazaré, em Belém (PA), no mês de outubro. A primeira viagem internacional do pontífice, após assumir o cargo em 2013, foi para o Rio de Janeiro.
Segundo Lula, não houve uma resposta positiva ao convite. “Eu acho que pelo sorriso que deu, ele tem vontade”, disse. “Não sei se ele vai ou não, mas tem que levar em conta a grandiosidade da Igreja Católica no Brasil”, acrescentou.
Questionado sobre o impasse entre a Igreja e o governo na Nicarágua, o presidente afirmou que pretende falar com o presidente do país, Daniel Ortega, para liberar os padres que estão presos. “Não tem por que ficar impedindo de exercer a sua função na igreja”, disse Lula.
“Eu vou tentar ajudar, se puder, essas coisas nem sempre são fáceis porque nem todo mundo é grande para pedir desculpa. A palavra desculpa é simples, mas exige muita grandeza. Quando você comete uma coisa errada, você reconhecer, não é todo homem que tem coragem de falar ‘errei e vou mudar de posição’, então é um trabalho de convencimento. Eu tenho muita paciência”, acrescentou.
Após a entrevista coletiva, Lula embarcou para Paris. Na capital francesa, ele participa da Cúpula sobre o Novo Pacto Global de Financiamento e terá encontro bilateral com o presidente Emmanuel Macron e outros líderes que estarão na cidade para a cúpula.
Lula também fará o discurso de encerramento do evento Power Our Planet, a convite da banda Coldplay, na noite desta quinta-feira (22). O evento será realizado no Campo de Marte, em frente à Torre Eiffel, e também terá a presença de líderes do Timor Leste, Barbados, Gana e Quênia, além da prefeita de Paris, Ane Hidalgo.
“É sempre uma alegria visitar a Itália, país com que temos uma relação de irmandade. Tive ótimos encontros com o presidente Sergio Mattarella, com a primeira-ministra Giorgia Meloni e com o Santo Papa. Agora, sigo para a França, para encontrar chefes de Estado e conversar sobre o desenvolvimento sustentável do mundo”, escreveu Lula, em publicação nas redes sociais.
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