SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Protestos, bloqueios e greves paralisaram Israel nesta quinta-feira (9), o que levou a população a cunhar o termo “dia da resistência” contra um projeto de lei que ameaça a autonomia do Judiciário no país.
As ações começaram pela manhã, com um bloqueio da rodovia que dá acesso ao aeroporto Ben Gurion, em Tel Aviv. O objetivo era dificultar a chegada do primeiro-ministro, Binyamin Netanyahu, ao local -à tarde, ele embarcaria para uma viagem de três dias para a Itália.
Bibi, como o premiê é conhecido, evitou os bloqueios fazendo o trajeto de Jerusalém a Tel Aviv de helicóptero. No aeroporto, reuniu-se com o secretário de Defesa dos Estados Unidos, Lloyd Austin, que faz um giro pelo Oriente Médio e acabou encurtando sua ida à capital israelense em razão dos protestos.
Já aqueles que tinham voos marcados acabaram abandonando os veículos em que tinham vindo e caminhando até o Ben Gurion, arrastando suas malas de rodinhas atrás de si.
“Ninguém está dizendo para não protestar”, disse o ministro da Segurança Nacional de Israel, Itamar Ben-Gvir, a repórteres no aeroporto. “Mas não está tudo bem, não está certo, não é apropriado arruinar a vida de 70 mil pessoas.” Ele fazia referência àqueles que ficaram presos no trânsito e à expectativa de passageiros no aeroporto, de 65 mil pessoas. Mais tarde, ele nomeou um novo chefe de polícia na capital.
As forças de segurança liberaram a estrada para o Ben Gurion por volta das 15h do horário local (10h em Brasília), após registros de confrontos com manifestantes.
Durante à noite, um ataque a tiros deixou três feridos, um em estado grave. As circunstâncias do ataque não estão claras, mas a polícia de Israel definiu o ataque como terrorismo. O atirador foi morto pelos agentes, e sua identidade ainda não é conhecida. O Hamas, grupo radical que controla a Faixa de Gaza e é considerado terrorista por Israel, disse que o homem compunha seus quadros.
De acordo com o jornal Times of Israel, 15 participantes dos atos foram detidos. Manifestantes ainda interromperam o fluxo de várias das principais estradas e pontes do território. Em Jerusalém, sete pessoas foram detidas, questionadas e depois liberadas após bloquearem com arame farpado e sacos de areia a porta da sede do think tank conservador Kohelet, central no plano da reforma judicial.
Causa que mobiliza o país há nove semanas, a polêmica proposta do governo de Netanyahu, o mais à direita da história do país, permitiria, entre outras medidas, que o Parlamento derrubasse decisões da Suprema Corte por meio de votações com maioria simples -vantagem numérica que a coalizão que sustenta a atual administração já possui.
O primeiro-ministro, ele próprio alvo de investigações por corrupção, argumenta que a mudança é necessária para tirar a Justiça das mãos de “magistrados elitistas e tendenciosos”. Na prática, porém, ela daria superpoderes ao governo. Além disso, segundo opositores, o plano minaria a independência do Judiciário, enfraquecendo assim o equilíbrio de Poderes, um dos pilares do Estado de Direito.
Também nesta quinta, o presidente de Israel, Isaac Herzog, disse que Netanyahu deveria abandonar a legislação proposta em favor de um modelo com amplo apoio nacional. “Existem acordos sobre a maioria das questões; sim, não todas, mas a grande maioria. Certamente o suficiente para abandonar a legislação proposta e trazer, em seu lugar, um projeto diferente para discussão”, afirmou, em discurso televisionado.
Os protestos massivos contra a reforma, criticados também pela comunidade internacional, não são o único problema que o premiê enfrenta hoje. A violência na Cisjordânia ocupada tem escalado rapidamente, com notícias frequentes de mortes de ambas as partes. Desde o início do ano, 13 israelenses foram mortos por palestinos; do outro lado, os óbitos totalizam mais de 70.
O saldo aumentou ainda mais nesta quinta, com a morte de três palestinos na faixa dos 20 anos após uma operação das forças especiais israelenses em Jaba. Autoridades de Tel Aviv identificaram todos como integrantes do movimento extremista Jihad Islâmica.
A visita de Lloyd Austin, o secretário de Defesa americano, buscava justamente discutir a intensificação dos conflitos na região, vista com preocupação pelos EUA. Na reunião improvisada no aeroporto com Netanyahu, com duração de mais de uma hora, o chefe do Pentágono pediu uma “desescalada imediata da violência e que se trabalhe para uma paz justa e permanente”.
Ele ainda afirmou que os EUA estão especialmente atentos à violência demonstrada pelos colonos israelenses na Cisjordânia. No mês passado, um grupo deles invadiu Huwara, cidade no norte do território ocupado, e ateou fogo a cerca de 30 residências e cem veículos, deixando mais de 350 moradores feridos.
Mais tarde, em um encontro com a imprensa junto com sua contraparte israelense, ele criticou de forma indireta o projeto de reforma do governo. “A maravilha das democracias dos Estados Unidos e de Israel é que ambas foram erguidas sobre instituições fortes, com pesos e contrapesos, e um Judiciário independente”, disse ele, ecoando fala semelhante do presidente americano, Joe Biden.
Netanyahu não se pronunciou sobre os protestos nem sobre a Cisjordânia. Em suas redes sociais, publicou vídeo listando prioridades de sua viagem à Itália e, mais tarde, disse que estava rezando pelos feridos no ataque em Tel Aviv e pelo fortalecimento das mãos de policiais e agentes de segurança.
Mas ele colocou mais lenha na fogueira no caso do conflito com a Palestina ao afirmar ao jornal italiano La Repubblica que aproveitaria seu encontro com a primeira-ministra Giorgia Meloni para pedir que ela reconhecesse Jerusalém como a capital de Israel. A maior parte da comunidade internacional defende que a divisão da cidade histórica seja determinada por negociações de paz entre israelenses e palestinos.
O objetivo de sua viagem desta quinta é, porém, bem menos polêmico. Ele tenta convencer a Itália a comprar gás natural de Israel -como outros países da Europa, o país europeu também vem tentando reduzir sua dependência energética da Rússia em meio à Guerra da Ucrânia.