BRUNA FANTTI
RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Entre pés de maracujás e o canto de pássaros, em uma área rural de Magé, Baixada Fluminense, Eliane Freitas da Silva, 54, tenta reencontrar a paz após ter sido informada pela polícia que fora vítima de estupro pelo anestesista Andres Eduardo Oñate Carrillo, 32. “Sou a vítima, não tenho vergonha. Ele que estudou e jurou defender a vida e não defendeu”, disse.
Eliane disse que não quer esconder o nome, já que ele consta no inquérito e a defesa do médico tem acesso aos dados. Mas prefere ter sua imagem preservada.
O advogado do médico, Mauro Fernandes, declarou que “a defesa não irá se manifestar neste momento”. O médico confessou, em depoimento, ter praticado os crimes dos quais é suspeito: estupro de vulnerável e pedofilia. Ele está preso desde segunda (16), após um mandado de prisão temporária de 30 dias ser expedido pela Justiça.
A violência contra Eliane teria ocorrido, segundo investigação, no dia 5 de fevereiro de 2021, no pós-cirúrgico para a retirada do útero, dos ovários e de outro procedimento no reto, dentro do hospital do Fundão, unidade de saúde da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). A universidade informou que auxiliou nas investigações.
O anestesista aproveitou um momento em que a paciente estava sozinha e sedada para esfregar o pênis em seu rosto. O órgão genital também foi colocado nos lábios de Eliane, cuja boca já continha um tubo de respiração. A ação foi filmada pelo próprio médico com o uso de celular. O vídeo, com duração de dois minutos e 13 segundos, foi salvo em armazenamento digital da Google.
“Ele não foi o meu anestesista. Acho que ele entrou na sala só para fazer isso, já estava premeditado”, afirma a vítima.
Eliane só teve conhecimento do que havia ocorrido quase dois anos depois, no dia 2 de janeiro deste ano, após a polícia brasileira ser informada com base em um acordo de cooperação internacional.
Nos EUA, uma lei federal diz que toda empresa fornecedora de comunicação eletrônica, como Google e Facebook, deve reportar casos de pornografia infantil ao NCMEC (Centro Nacional para Crianças Abandonadas e Abusadas, na sigla em inglês). Dados do suspeito, como nome, e-mail, endereço e IP devem constar no relatório. O NCMEC, então, passa as informações à polícia e agências reguladoras.
Na mesma nuvem em que o vídeo de Eliane havia sido armazenado, foram detectados 9.459 vídeos de pornografia infantil pela Google. O NCMEC enviou o relatório à Polícia Federal brasileira, que encaminhou o material à Dcav (Delegacia da Criança e Adolescente Vítima) do Rio de Janeiro, responsável pelo caso.
“O delegado me ligou e disse: você foi vítima de um crime sexual. Eu achei que se tratava de um golpe. Ele continuou ligando, desliguei o celular. Depois, uma viatura foi na minha casa. Na delegacia, ele perguntou se eu queria ver uma foto. Me reconheci nas imagens. Nelas, estava sendo abusada. Foi um choque”, contou Eliane.
O marido da vítima a acompanhou na unidade policial. Ele disse que sentiu muita raiva, que quis teve vontade de estrangular o médico. Mas, depois, ficou incrédulo com o ocorrido.
Entre o material pornográfico, a polícia aponta que médico também é suspeito de ter produzido 13 vídeos de crianças, entre 8 e 12 anos. Em diálogos encontrados no celular de Carrillo, um menino pedia nudes das menores e dizia que um suposto pai iria enviar presentes.
A perícia apontou evidências técnicas de que o médico fingiria ser esse menino. Entre elas, configurações do celular em espanhol, língua nativa do médico, que é colombiano.
Filha morreu de Covid-19: ‘Já precisava de psicólogo’ Eliane conta que em 2019 passou a sentir muitas dores na barriga e somente era atendida em emergências, onde chegava a ser medicada com morfina. Uma grande massa não identificada foi diagnosticada em um dos ovários, mas ela não conseguia ser operada.
Em uma das crises de dor, Eliane foi socorrida em um hospital da zona norte do Rio, no qual uma médica plantonista disse que poderia ajudá-la no Hospital do Fundão.
“Estava aos gritos, já tinha tomado quatro doses de morfina. Uma doutora disse que operava no Hospital do Fundão e me encaixaria para uma cirurgia”, lembrou Eliane. “Foi um anjo na minha vida. Ela providenciou toda a documentação, laudos, e até descobriu que eu estava com um outro problema no reto”, contou.
A violência sofrida no hospital não foi o único trauma recente de Eliane. Ela conta que perdeu a filha mais nova por Covid-19 meses após a cirurgia na UFRJ. A jovem se recuperava do parto do segundo filho e não resistiu ao contrair o coronavírus na maternidade. Ela tinha 25 anos.
“Quando ela morreu, eu desenvolvi diabetes emocional e minha pressão passou a aumentar muito. Eu já precisava de psicólogo. E, quando eu soube do estupro, meu psicológico ficou mais abalado. Não me ofereceram até agora”, disse.
O advogado de Eliane, Jardel dos Santos, afirmou que vai pedir que o Estado forneça um psicólogo. “A dona Eliane vai buscar o Judiciário para resguardar todas as suas medidas. Sobre a assistência psicológica, vamos pedir para o Estado fornecer um psicólogo ou custear um particular.”
Eliane disse que, às vezes, ao fechar os olhos, relembra as cenas mostradas na delegacia. Ela também passou a acordar de madrugada e tem medo de ficar sozinha em casa. Agora, tenta encontrar no apoio do marido de amigas coragem para voltar à mesa de cirurgia: ela precisa fazer uma cirurgia de hérnia no mesmo hospital.
“É um monstro, uma mente muito doente. Fiquei com muita raiva na hora, chocada. Agora, só vejo que ele tem a mente doentia”, disse.
Carrillo também é investigado por um estupro em um hospital em Saquarema, na região dos Lagos. A vítima também estava sedada. No entanto, a Justiça não decretou sua prisão neste caso.