Kamala tenta recuperar voto negro, e Trump investe em fatia conservadora do grupo

FERNANDA PERRIN
ATLANTA, EUA (FOLHAPRESS) – “Vou ser uma das pouquíssimas pessoas a te dizer, como homem negro, que o maior problema de Donald Trump é sua retórica, ele é divisivo. Mas em relação às suas políticas, se eu for bem honesto com você, ele não foi um presidente tão ruim, não.”

 

A opinião é de Horace Robinson, 47, dono da barbearia Silver Star, em Atlanta, no estado-pêndulo (sem definição para democratas ou republicanos) da Geórgia. No quarteirão seguinte, estão a igreja comandada no passado pela família Luther King e o memorial dedicado a Martin Luther King Jr. (1929-1968).

Robinson é um exemplo da frustração de muitos eleitores negros com a política. O grupo foi fundamental para a vitória de Joe Biden em 2020, mas pesquisas apontavam que o democrata vinha perdendo apoio no segmento, sobretudo entre homens mais jovens.

As expectativas por mudanças eram altas, após os protestos em massa contra o assassinato de George Floyd. No entanto, a percepção é a de que as coisas permaneceram as mesmas -não houve reformas profundas da polícia e da Justiça criminal- e, no quesito economia, pioraram por causa da inflação.

“Votei em Biden na última eleição porque parecia que suas políticas eram mais adequadas a nós, mas no fim acabou dando no mesmo. Então realmente não importa em quem você vota”, afirma James Gresham, 32. Funcionário de um Walmart em Atlanta, ele reclama especialmente da disparada do custo de vida.

O democrata venceu Trump em 2020 com o apoio de 92% dos eleitores negros que foram às urnas, segundo o Pew Research Center. Trump teve apenas 8% de apoio do grupo. No entanto, uma pesquisa feita pelo mesmo instituto em abril deste ano mostrou Biden com 77% e Trump com 18%. Entre homens negros de até 49 anos, a vantagem dos democratas caía ainda mais: 68% a 29%.

Com a troca por Kamala Harris, negra e de origem asiática, democratas esperam recuperar esse apoio perdido, mas o caminho não deve ser tão fácil.
Uma pesquisa feita especificamente com eleitores negros nos sete estados-pêndulo -Arizona, Nevada, Geórgia, Carolina do Norte, Pensilvânia, Michigan e Wisconsin- em julho mostrou que a vice obtém uma avaliação mais favorável do que Biden (45% a 40%), mas ainda muito distante do percentual alcançado pelo ex-presidente Barack Obama (74%).

No levantamento, feito antes de Biden sair da corrida, o presidente obtinha 69% das intenções de voto, contra 15% de Trump. No cenário com Kamala, os percentuais mudavam muito pouco: 71% a 14%.

“Essa eleição vai ser menos sobre persuasão do que sobre participação”, afirma a cientista política Andra Gillespie, especialista em política afroamericana na Universidade Emory, de Atlanta.

“A questão é se os democratas vão conseguir manter essa empolgação vista nessa primeira semana, com mais de US$ 100 milhões em doações, nos próximos três meses. É disso que vai depender a vitória de Kamala”, declara.
Gillespie diz que pesquisas mostram que grupos historicamente sub-representados na política, como negros, asiáticos e mulheres, tendem a participar mais de pleitos em que alguém que os representa possa ser eleito pela primeira vez para o cargo -caso de Kamala, que se tornaria a primeira mulher, a primeira negra e a primeira asiática a ocupar a Presidência.

“Mas ela não pode simplesmente dizer ‘oi, eu sou uma mulher negra e do sul da Ásia. Vote em mim’. Ela tem feito isso de outros modos. Nesta semana, por exemplo, discursou em uma sororidade histórica negra”, diz a cientista política.

O outro lado da moeda são os ataques vindos da campanha de Trump. O empresário, que faz questão de pronunciar errado o nome de Kamala (ele fala “Kamála”, não “Kâmala”), está recalibrando sua estratégia para evitar ser acusado de racismo e machismo -segundo a imprensa americana, sua campanha até fez um apelo para republicanos no Congresso não criticaram a democrata evocando sua raça e gênero.

“Sempre houve negros conservadores. Por volta de 30% a 40% desses eleitores se identificam dessa forma nos EUA. Mas, nos últimos 60 anos, apenas um percentual constante de mais ou menos 10% vota em republicanos”, afirma Gillespie. “Isso ocorre por causa do histórico ruim do partido quando se trata de relações raciais.”

O peso da clivagem racial é importante para o eleitorado americano especialmente longe dos grandes centros urbanos. Justin, 26, fala sobre sua própria experiência. Embora viva em Atlanta, onde é atendente de um restaurante, ele vem de uma cidade pequena da Geórgia, quase na divisa com a Flórida, chamada Valdosta.

“De onde eu venho as coisas são diferentes. Tem racismo de verdade, bandeiras confederadas, apoiadores sérios de Trump. Aqui em Atlanta, você vê uma discussão mais sobre questões da eleição, mas lá no sul é simplesmente a cor da pele. Nós, negros, votamos em democratas; os brancos, em republicanos.”

O ex-presidente, por sua vez, tem feito seus próprios esforços junto ao eleitorado negro. Uma dessas iniciativas são os eventos “Charutos, conhaque e Congresso”, organizados pelo deputado conservador Wesley Hunt, do Texas.
Gerente de uma concessionária de carros nos arredores de Atlanta, Najee, 61, participou de um desses encontros em junho. Eleitor de Trump em 2020, pretende votar novamente no empresário neste ano.

“Impostos baixos, parar a imigração ilegal, menos regulação, protecionismo em relação à China e outros países estrangeiros. É por isso que gosto de Trump”, diz ele. Questionado se não se preocupa com o que o empresário pode fazer se eleito, tendo em vista a invasão do Capitólio, Najee é taxativo: “Isso é besteira. O 6 de Janeiro foi um evento infeliz, mas foi uma revolta, não um golpe.”

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