Lei aumenta pena e torna inafiançável e imprescritível crime de injúria racial

Com a sanção de uma nova lei nesta semana, o crime de injúria racial passa agora a ser punido com mais tempo de reclusão e se torna inafiançável e imprescritível. A injúria, caracterizada pela ofensa contra um indivíduo ou grupo de indivíduos com base em raça, cor, religião ou origem, passa a constar na Lei de Racismo e se equipara no maior rigor de punição.

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Com a mudança, a injúria racial passa a ser punida com 2 a 5 anos de reclusão além de pagamento de multa – a pena anterior era de 1 a 3 anos. Qualquer ato de injúria racial praticado a partir de 11 de janeiro, data em que a lei foi sancionada, é definitivo, permanente e não pode caducar.

Há ainda lacunas a serem esclarecidas no combate a essas violências. O tempo de reclusão previsto pode chegar a mais de dez anos se houver algum dos agravos previstos, como injúria praticada por funcionário público, por grupos de duas pessoas ou mais e em “contexto ou intuito de descontração, diversão ou recreação”. Nesses casos, a pena pode ser aumentada pela metade ou ter acréscimo de um terço do tempo previsto inicialmente.

Há agravo também se o crime for cometido “em contexto de atividades esportivas, religiosas, artísticas ou culturais destinadas ao público”. Nesses casos, a pessoa condenada fica proibida de frequentar locais destinados a práticas esportivas, artísticas ou culturais por três anos.

Discriminação

A nova lei ainda reforça que uma injúria racial não precisa necessariamente ser cometida de forma explícita para ser caracterizada como tal. Assim, é considerado discriminatório “qualquer atitude ou tratamento dado à pessoa ou a grupos minoritários que cause constrangimento, humilhação, vergonha, medo ou exposição indevida, e que usualmente não se dispensaria a outros grupos”.

“Existe uma questão que é de cultura institucional”, diz Marlon Reis, coordenador jurídico do Educafro e ex-juiz de Direito. “A mensagem que essa lei passa é de que a injúria racial é tão grave quanto o racismo. Agora, está tudo equiparado.”

Dados compilados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostram que o Brasil teve 13,8 mil denúncias de injúria racial ao longo de 2021, último ano disponível no levantamento. Ao mesmo tempo, pouco mais de 6 mil casos de racismo foram registrados ao longo desse período.

Reis aponta que, ao aumentar o período de reclusão, a lei impede que uma pessoa condenada por injúria racial recorra a penas alternativas e seja, de fato, presa pelo crime. “É muito emblemático, porque antes rendia apenas uma medida de restrição ou cesta básica. Agora, casos mais graves e com pena acima de quatro anos não poderão ser convertidos em penas alternativas.”

A lei foi sancionada por Lula anteontem na mesma cerimônia que deu posse a Anielle Franco, irmã da ex-vereadora carioca Marielle Franco, como a primeira ministra da Igualdade Racial do Brasil. Em suas redes, ela comemorou a aprovação do texto: “Enfim um governo comprometido com reparação! Que orgulho fazer parte dele. Estejam com a gente pro nosso trabalho ser maior!”.

Para Reis, o parágrafo da nova legislação que aumenta a gravidade da pena nos casos de injúria racial cometidos por funcionários públicos também carrega seu próprio simbolismo. “As circunstâncias das autoridades públicas, lamentavelmente, vemos com muita frequência no Brasil, especialmente entre a polícia.”

LGBTfobia

O texto da nova lei sancionada por Lula não chega a citar especificamente a população LGBT+, mas juristas ouvidos pelo Estadão afirmam que a inclusão de injúria racial na Lei do Racismo prevê que ofensas e agressões contra essas pessoas também serão punidos de forma mais rigorosa, uma vez que o Supremo Tribunal Federal (STF) equiparou a discriminação com base em orientação sexual ou identidade de gênero aos crimes racistas.

Segundo Paulo Iotti, diretor-presidente do Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual e de Gênero e responsável pelas ações que fizeram o STF reconhecer LGBTfobia como racismo, a nova lei “acaba de vez com uma resistência inepta por parte da jurisprudência e da doutrina” de reconhecer essa equivalência.

“O STF reconheceu a homotransfobia como ‘crime por raça’, enquanto forma de racismo social, e a injúria racial é a injúria qualificada por ofensa racial”, afirma Iotti.

Lacunas e brechas

Criado originalmente em 2015 pelos ex-deputados Bebeto (PSB-BA) e Tia Eron (Republicanos), o texto assinado pelo presidente é um substitutivo do Senado de autoria do senador Paulo Paim (PT-RS).

A lei mantém a pena de reclusão de 1 a 3 anos para injúrias raciais de ordem religiosa, praticadas contra pessoas idosas ou com deficiência. Ao mesmo tempo, agrava os crimes cometidos em contextos religiosos, mas não explica como eles seriam punidos sem esbarrar no artigo da Constituição Federal que prevê “a liberdade de consciência e de crença” e assegura “o livre exercício dos cultos religiosos e a proteção aos locais de culto e as suas liturgias”.

O Ministério da Justiça informou que “qualquer pessoa que pratica crime está sujeita às penas previstas na lei”.

Outro ponto em aberto é em relação à xenofobia, que no texto da lei é caracterizado por “procedência nacional”. Nos últimos meses, por exemplo, brasileiros do Nordeste têm sido alvos de ataques e ofensas. Especialistas dizem que a legislação não deixa claro se esses casos se enquadram na Lei do Racismo.

“Isso vai continuar sendo discutido, mas já é uma discussão antiga e poderia ter sido alterada de uma vez para já estabelecermos esse ponto”, afirma Matheus Falivene, doutor em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).

Restam dúvidas sobre como o governo pretende proibir pessoas condenadas por injúria racial de acessarem eventos pelo período de três anos. O texto também não deixa claro de quem será a responsabilidade por essa fiscalização.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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