Mães relatam dificuldade em equilibrar uso das telas na criação dos filhos

VITÓRIA MACEDO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Quando Ana Luiza Arra, 34, penteia o cabelo cacheado de sua filha Magnólia, 3, após lavar, é um desafio de paciência. Para conseguir terminar a tarefa com tranquilidade, ela coloca algum videoclipe no celular e dá para a filha assistir, ajudando-a a manter a calma.

 

O momento é pontual, afirma, e ela tenta evitar ao máximo o contato da criança com as telas, mas reconhece que precisa recorrer aos aparelhos eletrônicos durante o cuidado com a filha. E ela não é a única.

O debate sobre o uso das telas por crianças e adolescentes é latente no Brasil, principalmente ao ganhar contornos públicos. Neste mês, o governo federal sancionou a lei que proíbe alunos de usarem telefones celulares e outros aparelhos eletrônicos em escolas públicas e particulares.

Durante o evento de sanção do projeto de lei, o presidente Lula (PT) criticou mães que entregam celulares às crianças para que parem de chorar: “É uma coisa fria, gelada, não tem nada a ver, não vai educar. Esse comportamento desumano está sendo utilizado pelos humanos”, disse.

Mas a discussão passa por criações cada vez mais individualizadas e cuidadores solitários, muitas vezes no papel materno, como explica Julieta Jerusalinsky, psicanalista, professora da pós-graduação da PUC-SP e fundadora do Instituto Travessias da Infância e da Rede-Bebê. “Há um afastamento das famílias extensas e não há essa forma de cuidado mais coletivo. O afastamento em si não seria um problema se vivêssemos numa sociedade menos individualista, onde também dá para contar com vizinhos e com um cuidado mais coletivo”, diz.

Ana Luiza é mãe solo e, por mais que a filha conviva com o pai, afirma que sua realidade é difícil, pois não tem nenhuma rede de apoio paga. Ela passa longos períodos sozinha com a filha, como durante as férias. No momento em que conversou com a reportagem, por exemplo, sua mãe, que também a ajuda, estava preparando o almoço enquanto a filha assistia a um desenho na televisão.

“Por mais que ela estude em horário integral, ainda assim o meu trabalho ocupa mais tempo do que o dela na classe. Então, eu preciso recorrer eventualmente [às telas], até para ela comer. Se ela não come, ou eu não vou ao banheiro, ou não lavo a louça”, explica.

Ela tenta negociar um tempo de tela reduzido com a filha e mantém rigor em relação ao conteúdo, permitindo apenas desenhos de baixo estímulo.

Débora Adão, 35, também regula o conteúdo assistido por suas filhas, Kyara, 5, e Aylla, 2, e já bloqueou desenhos inapropriados para a idade delas. Enquanto prepara o café da manhã, ela permite que as filhas assistam à televisão. Durante as refeições, insiste para que elas deixem o celular e tenta incentivá-las a brincar com brinquedos, livros ou outras atividades fora das telas.

Dona de casa, ela acredita que “a tecnologia rouba a infância das crianças” e que, muitas vezes, suas filhas “não sabem nem brincar”. Ainda assim, Débora reconhece que, em alguns momentos, cede ao uso das telas para conseguir realizar tarefas domésticas, já que não tem apoio e mora longe da família.

Quando as filhas se cansam de brincar com brinquedos, Débora diz que elas começam a chorar e insistir pelo celular ou televisão. “Eu me arrependo bastante de ter permitido que a tecnologia entrasse. Só que foi, infelizmente, uma forma que encontrei de conseguir concluir as minhas tarefas”.

Esse relato é similar ao de várias outras mães que compartilham suas experiências em grupos no Facebook, por exemplo. Muitas perguntam como distrair a criança e que está “difícil cortar”. Ou até mesmo que o celular na maioria das vezes ajuda muito enquanto ela se “desdobra em mil”.

Por outro lado, especialistas afirmam que a utilização das telas para evitar que a criança demande atenção ou interrompa os adultos reduz as oportunidades de interação social, negociação e enfrentamento de frustrações é prejudicial para o seu desenvolvimento. Segundo Jerusalinsky, é preciso, antes de entregar um celular a uma criança, perguntar: “No lugar do quê isso está?”

“Essas telas individuais produzem, muitas vezes, uma de lógica de chupeta eletrônica, que suspende as demandas da criança, a solicitação que ela faz aos adultos e a circulação da criança pelo espaço”, afirma a psicanalista.

A psicopedagoga Andrea Nasciutti afirma que a tecnologia não é a vilã, mas sim a forma como ela vem sendo utilizada. “O problema principal é que ela está se sobrepondo a outras atividades.”

Para ela, muitas vezes, pais e mães se acomodam com o uso das telas ao entregá-las sempre às crianças. “A gente precisa entender o impacto que isso tem e tentar contornar isso dentro da realidade, de alguma forma”, diz. Isso inclui fazer com que as crianças façam parte de atividades do dia a adia, como bater panelas enquanto o adulto lava a louça, brinca de esconde-esconde com os lençóis na hora de estender a roupa ou simplesmente lidar com a frustração e o não.

Outro fator que a psicopedagoga pontua é a consciência dos pais e sua relação com os dispositivos, que também podem afetar as crianças. “Hoje, a parentalidade tem que ser muito intencional”, afirma Nasciutti.
É o que Jerusalinsky também destaca. “Muitas vezes, os pais dizem não às telas, mas eles mesmos ficam no celular o tempo todo”.

Ana Luiza afirma que tentou retardar ao máximo o uso dos aparelhos eletrônicos por Magnólia, mas que a filha a vê muito no celular por causa do trabalho e outras atividades. “Eu tento me policiar bastante e percebo que falho, mas acho que é isso: um olhar atento e cuidadoso para ambos os lados”.
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