(FOLHAPRESS) – O ambiente cercado para onde será levado após se recuperar em uma gaiola talvez seja moradia pelo resto da vida de um carcará. A imponente ave, semelhante a um gavião, foi atropelada no mês passado em Mogi Mirim (a 151 km de São Paulo) depois de ter sido atingida por dois tiros.
O carcará teve uma das asas amputadas após cirurgia e entrou para as estatísticas de ocorrências envolvendo caça e apreensões de armas clandestinas para abater animais.
Segundo a Polícia Militar Ambiental, somente no primeiro semestre deste ano (até 27 de junho), 235 armas sem registro acabaram apreendidas com caçadores no estado de São Paulo, o que dá uma média de 1,3 por dia.
Neste mesmo período foram registradas 122 ocorrências envolvendo caça e outras infrações abrangidas pela Lei 9605/98, de crimes ambientais.
Nos últimos cinco anos, diz a PM, 2.524 armas sem registro foram aprendidas e 1.506 ocorrências, registradas.
Conforme a legislação, caçar sem autorização é crime ambiental, com pena de seis meses a um ano de detenção, mais multa.
“Em geral, as ocorrências envolvem armas não registradas que acabam sendo apreendidas e o responsável responde por porte ilegal de arma de fogo”, afirma a PM, em nota.
No último dia 28, denúncias de vizinhos levaram as polícias Civil e Militar até uma propriedade rural em São Miguel Arcanjo, na região de Sorocaba, onde um homem de 49 anos foi preso em flagrante com duas armas. No local também havia um canil com sete cães foxhound-americano, raça bastante usada para caça.
Segundo o delegado Emerson Jesus Martins, foram apreendidas duas armas de cano longo, calibres 22 e 12, essa com luneta para visão noturna e capacidade para acertar um alvo a cerca de 100 metros de distância. “As características são de armamento exclusivamente usados para caça”, disse o policial.
O dono do armamento, solto após pagar fiança, negou caçar animais.
Um dia antes, a PM Ambiental já havia prendido três homens, com sete armas e 192 cartuchos, em operação contra caçadores em áreas rurais de cidades da própria região de Sorocaba, e outro com duas espingardas em um rancho às margens do rio Tietê, em Laranjal Paulista (a 159 km de SP).
Rafael Alcadipani, professor da área de segurança da FGV (Fundação Getulio Vargas) e integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, afirma que o número de apreensões é mais uma mostra de como muitas pessoas estão tendo acesso a armas.
“Isso é bastante problemático porque lida não só com a vida humana, mas com a de animais, que é extremamente sério dentro do contexto dos desafios que vivemos no meio ambiente”, afirma.
Para ele é preciso que as polícias estejam sempre em ação contra caçadores, apreendendo as armas irregulares.
A Polícia Ambiental admite não conseguir quantificar número de animais baleados ou mortos a tiros por caçadores nas ocorrências registradas.
Segundo a Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Unesp (Universidade Estadual Paulista), a chance de os animais de pequeno ou grande porte alvejados por arma de fogo morrerem na estrada ou no local em que foram atingidos é considerável, o que dificulta a estatística.
Há registros de mortes, entretanto, na própria cidade de São Paulo. No primeiro semestre, dois animais baleados morreram após chegarem ao Cetras (Centro de Triagem de Animais Silvestres), mantido pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente no Parque Ecológico do Tietê, na zona leste da capital paulista.
Quando sobrevivem ao tiro esses animais podem acabar atropelados na fuga. A constatação é feita pelo engenheiro agrônomo Jorge Bellixe de Campos, presidente da Associação Mata Ciliar, centro de recuperação de animais silvestres de Jundiaí (a 58 km de SP), que atende praticamente todo o interior paulista, e para onde foi levado o carcará alvejado em Mogi Mirim.
Os projéteis, segundo ele, acabam descobertos durante o atendimento veterinário, com realização de radiografias.
O responsável pela ONG diz que o número de animais baleados passou a chamar a atenção com a flexibilização de regras na venda de armas para CACs (caçadores, atiradores esportivos e colecionadores), durante o governo de Jair Bolsonaro (PL).
“Antes [de 2019] era raro vir um animal baleado aqui”, afirma.
“Chegavam alguns feridos por armadilha de laço [utilizadas para caçar javalis], mas a tiro era muito difícil.”
O número de animais atingidos por arma de fogo disparou na Mata Ciliar no ano passado. Foram 39 casos, contra 26 em 2021, um aumento de 50%.
Em novembro de 2021, um macho de onça-parda foi atropelado na rodovia SP-300 próximo Guararapes (a 545 km de SP). O felino foi socorrido, mas já chegou morto ao Cras (Centro de Recuperação de Animais Silvestres). A radiografia mostrou um projétil de arma de fogo alojado em uma das pernas.
Em fevereiro do ano passado, um tamanduá-bandeira, espécie ameaçada na região, foi encontrado sem conseguir andar em uma estrada rural de Glicério. A suspeita era de que ele havia sido atropelado, mas a radiografia mostrou a bala em uma das pernas. O animal sobreviveu.
“Alguns animais conseguem se recuperar e são devolvidos à natureza”, afirma Campos. No caso do carcará levado a Jundiaí, depois de sua recuperação física, será preciso fazer um trabalho educativo que garanta a ele uma qualidade de vida mínima, pois nunca mais vai voar.
O QUE DIZ A LEI
Dos crimes contra a fauna
Art. 29. Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida
Pena – detenção de seis meses a um ano, e multa
Incorre nas mesmas penas:
–
quem impede a procriação da fauna, sem licença, autorização ou em desacordo com a obtida quem modifica, danifica ou destrói ninho, abrigo ou criadouro natural quem vende, expõe a venda, exporta ou adquire, guarda, tem em cativeiro ou deposito utiliza ou transporta ovos, larvas ou espécimes da fauna silvestre, nativa ou em rota migratória bem como produtos e objetos dela oriundos, provenientes de criadouros não autorizados ou sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente No caso de guarda domestica de espécie silvestre não considerada ameaçada de extinção, pode o juiz, considerando as circunstancias, deixar de aplicar a pena
São espécimes da fauna silvestre todos aqueles pertencentes as espécies nativas, migratórias e quaisquer outras, aquáticas ou terrestres, que tenham todo ou parte de seu ciclo de vida ocorrendo dentro dos limites do território brasileiro, ou águas jurisdicionais brasileiras
A pena e aumentada de metade, se o crime e praticado:
-contra espécie rara ou considerada ameaçada de extinção, ainda que somente no local da infração em período
– proibido a caca durante a noite com abuso de licença em unidade de conservação com emprego de métodos ou
– instrumentos capazes de provocar destruição em massa
– A pena é aumentada ate o triplo, se o crime decorre do exercício de caca profissional
Fonte: Lei 9605/98
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