Mais de 370 mil alunos das capitais estudam em escolas em áreas de risco

(FOLHAPRESS) – Mais de 370 mil alunos da educação infantil e do ensino fundamental das capitais brasileiras estudam em escolas localizadas em áreas de risco climático, sujeitas, por exemplo, a inundações e deslizamentos.

 

Além disso, de acordo com uma pesquisa inédita, 37,4% das escolas para estudantes dessa faixa etária, nas capitais, não têm área verde, e 20% não possuem praças e parques no entorno, em um raio de 500 metros. Escolas de regiões mais pobres e aquelas com maioria de alunos negros são as que mais estão localizadas em áreas de risco e as que menos têm espaços verdes.

As conclusões são de um levantamento feito pelo Instituto Alana, ONG de defesa da criança e do adolescente, em parceria com o MapBiomas, projeto de estudo das mudanças climáticas que une ONGs, universidades e empresas de tecnologia, e com a Fiquem Sabendo, que atua pela transparência dos dados públicos.

A pesquisa avaliou 20.635 escolas públicas e privadas de educação infantil e ensino fundamental das capitais brasileiras. A constatação é a de que uma parcela expressiva de crianças e adolescentes desse universo está ameaçada por fenômenos climáticos e, ao mesmo tempo, não tem acesso a áreas verdes -o contato com espaços verdes é considerado crucial para o desenvolvimento integral, ao reduzir o estresse, incentivar as atividades físicas e aumentar as habilidades cognitivas.

O estudo ressalta o contexto que torna os dados ainda mais alarmantes: no Brasil, cerca de 80% das crianças vivem em centros urbanos, e, quanto mais vulneráveis socioeconomicamente, menos acesso têm ao verde, nas redondezas de casa e na escola, onde passam boa parte do dia, especialmente com o ensino em tempo integral.

Das escolas em locais de risco, 90% ficam em favelas, comunidades ou próximas a elas, em um raio de até 500 metros. E são 52,4% as escolas dessas localidades que não têm área verde em seu lote (veja gráficos); no caso das distantes das favelas, são 29%.

Mesmo quando há algum espaço verde no ambiente escolar, ele tende a ser pequeno. Apenas 10% das escolas das localidades mais pobres possuem uma área verde superior a 30% de seu lote; já para as mais distantes de favelas, são 24%.

A desigualdade regional se evidencia em um ranking das capitais com a maior proporção de escolas sem área verde. Salvador lidera, com 87% das escolas sem espaços verdes. Das 10 primeiras capitais desse ranking, 7 são da região Nordeste -além de Salvador, são elas São Luís, Fortaleza, Aracaju, Maceió, Recife e Natal.

E São Paulo, embora um estado com mais recursos, tem um longo caminho a percorrer no acesso dos estudantes ao verde: ficou em 10º lugar no ranking, logo após as sete capitais nordestinas e duas da região Norte (Manaus e Belém). São 39% as escolas da capital paulista sem área verde, um total de 1.849 unidades, atingindo mais 374 mil alunos.

A falta de verde no ambiente escolar poderia ser compensada por um entorno com praças e parques e por uma lógica de educação “desemparedada”, ou seja, com atividades pedagógicas ao ar livre, realizadas em espaços com natureza próximos à escola.

Cerca de 77% das escolas de educação infantil que não têm área verde possuem, na vizinhança, mais de 1.000 m2 de praças ou parques, a uma distância de até 500 metros. Mas, de novo, nesse quesito, a desigualdade se coloca. Das escolas infantis que não possuem esses equipamentos nas redondezas (em um raio de até 500 metros), 78% se localizam em favelas e comunidades urbanas ou próximas a elas.

RACISMO AMBIENTAL

O recorte racial na pesquisa atesta o racismo ambiental (conceito de que minorias étnicas enfrentam mais riscos ambientais). Das escolas de educação infantil e ensino fundamental com maioria de estudantes negros, são 30,1% as que não têm praças e parques no entorno de 500 metros; já no caso daquelas com maioria branca, a taxa cai para 11,4%.

Além disso, as escolas com maioria negra sofrem mais com a localização em ilhas do calor, em que a temperatura média é de pelo menos 3,57º C acima da média do perímetro urbano do município. Estão localizadas em ilhas de calor 36,4% das escolas com maioria negra e 16,5% daquelas que têm maioria de estudantes brancos.

A maior parte das escolas em áreas de risco são aquelas com maioria de estudantes negros: 51,3% delas. A parcela para a de maioria branca é 4,7% (a pesquisa considerou “maioria”, nesse caso, quando 60% ou mais se declaram de uma determinada raça).

Há mais escolas públicas do que particulares em áreas de risco: 59% e 41%, respectivamente. Por outro lado, as públicas têm mais área verde do que as privadas. São 31% as públicas com verde em mais de 30% do lote, ante 9% das particulares.

Isso não significa, no entanto, que sejam áreas verdes aproveitadas pela comunidade escolar. Podem ser terrenos com matagal, por exemplo, sem manutenção para o uso. Ou mesmo áreas mais bem cuidadas, mas que não são incorporadas às atividades.

“Não basta ter área verde. Muitas vezes as escolas enxergam essas áreas como um problema, trabalho de manutenção, e não como oportunidade”, diz a engenheira florestal Isabel Barros, especialista em infâncias e natureza do Alana, que coordenou a pesquisa. “As escolas precisam ter apoio, porque um dos gargalos da educação é a manutenção, e dá trabalho manter essas áreas para que fiquem acessíveis aos alunos.”

Para ela, devemos olhar esses espaços como parte do sistema de áreas verdes do município, a exemplo do que já ocorre em algumas cidades de outros países. “Cada pátio escolar pode ser considerado uma minipraça, um miniparque e ter recurso manutenção.”

A pesquisa dá sugestões para se criar ou para se ampliar áreas verdes no ambiente escolar: remover o concreto/cimento de espaços abertos para o plantio grama, árvores, hortas e plantas diversas, além de envolver a comunidade com o espaço, tanto para o seu cultivo e cuidado, como para usufruir dele.

E, essencialmente, pensar no espaço verde como parte do projeto pedagógico: “Pesquisas mostram que pátios escolares com natureza são mais saudáveis para as crianças e os adolescentes, importantes inclusive para a parte acadêmica, com inúmeras possibilidade de aulas ao ar livre, de matemática a educação climática”, afirma Barros.

Ela lembra que “atividades ao ar livre favorecem a convivência e incentivam os alunos a brincar de forma mais ativa, o que também previne a obesidade”.

“Espaços verdes e biodiversos contribuem ainda para a redução de alergias e de problemas respiratórios”, acrescenta.

Barros aponta para o fato de a pesquisa mostrar que “as escolas repetem o padrão de desigualdade do país”. Mas há a metade cheia do copo: “As escolas são equipamentos muito bem distribuídos pelos municípios e são espaços onde crianças e jovens passam boa parte do dia. Têm, portanto, grande potencial de melhorar a equidade do acesso ao verde e a seus benefícios”.

O projeto Excluídos do Clima é uma parceria com a Fundação Ford.

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