(FOLHAPRESS) – A comissão independente que investiga casos de abuso sexual contra menores de idade na Igreja Católica em Portugal concluiu que ao menos 4.815 crianças foram abusadas por membros da instituição desde 1950. O relatório final do caso foi apresentado publicamente na manhã desta segunda (13), em Lisboa.
Os casos, que tiveram um pico entre as décadas de 1960 e 1990, aconteceram em diversos contextos, como em seminários, sacristias, colégios internos, confessionários, grupos de escoteiros e casas de acolhimento ligadas à igreja. Cerca de 96% dos abusadores são do sexo masculino, e 77% são padres.
Houve registros em todos os distritos do país. A idade média dos menores é de 11,2 anos, e os principais alvos das agressões sexuais eram meninos -52,7% dos casos-, como na maioria de investigações do tipo. A comissão destaca, no entanto, o número significativo de meninas também abusadas.
Cerca de 52,7% dos menores foram abusados mais do que uma vez, e 27,5% relatam que os abusos perduraram por mais de um ano. A maior parte dos episódios já prescreveu, mas 25 casos, ainda dentro dos prazos legais, foram enviados ao Ministério Público.
As conclusões apresentadas no relatório serão discutidas em uma reunião especial da cúpula católica no país, que irá avaliar também se haverá pagamento de indenizações às vítimas. Na França, onde uma investigação independente revelou a que mais de 200 mil crianças e adolescentes haviam sido abusados em um período de 70 anos, a igreja concordou em vender bens e imóveis para custear indenizações.
Em Portugal, a comissão foi criada a pedido da CEP (Conferência Episcopal Portuguesa), justamente em meio à onda de escândalos de abusos sexuais contra menores na Igreja Católica em diversos países.
Antes de começar a apresentação pública das conclusões, o coordenador da comissão, o psiquiatra da infância Pedro Strecht. agradeceu a “liberdade e a total liberdade independência” para realizar o trabalho.
Além de coletar relatos através de uma linha telefônica e de um site dedicados à investigação, a comissão analisou documentos nos arquivos diocesanos. Dos casos informados, foram validados 512. Devido à demora no acesso a parte do acervo histórico da igreja, a comissão relata que nem todos os documentos puderam ser analisados.
Na conferência, os membros da comissão alternaram a divulgação dos números e dos dados técnicos do documento com a leitura de alguns relatos das vítimas. “Quando contei à minha mãe, ela não acreditou. E ainda pior: disse que eu era culpada”, ouviu-se em um dos relatos.
As vítimas levaram em média 10 anos para falar pela primeira vez sobre os abusos. Para mais de 40% delas, o primeiro relato foi feito para a comissão independente. Apenas 4% prestaram queixas judiciais.
“A característica fundamental do abuso é o poder que o abusador tem em relação à criança”, disse o psiquiatra Daniel Sampaio, também membro da comissão. “Nas instituições religiosas aparece uma vulnerabilidade da criança que é ampliada por uma crença espiritual. Portanto, a relação espiritual entre o abusador e a criança torna a criança mais vulnerável.”
Na cerimônia de apresentação, a comissão independente defendeu mudanças nos prazos de prescrição. Em Portugal, a lei atual diz que as vítimas de abusos sexuais enquanto menores têm até os 23 anos para apresentarem uma queixa formal. O grupo de especialistas defendeu que os prazos sejam alargados para 30 anos.