(FOLHAPRESS) – As geleiras do planeta vão se liquefazer muito mais rapidamente do que previam cientistas até aqui. Metade delas terá desaparecido até o final deste século, um quarto, até 2050. Esse é o alerta de um novo estudo, publicado nesta semana na revista Science, que aponta para a aceleração do derretimento dos 215 mil glaciares já mapeados pelo mundo.
Realizada por 13 cientistas, entre canadenses, norte-americanos, suíços, noruegueses, austríacos e franceses, a pesquisa utilizou novos dados de observação obtidos a partir de imagens de satélite com um grau inédito de resolução. A partir desses parâmetros atualizados, os pesquisadores puderam recalibrar o modelo de cálculo de degelo das geleiras da Terra.
Os resultados são até 44% maiores do que as estimativas utilizadas pelo já alarmante último relatório do IPCC, o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU. A nova projeção é de que pelo menos 104.000 glaciares desaparecerão do mundo até 2100, metade deles antes de 2050.
“Nosso estudo se concentrou nos dois cenários extremos de elevação da temperatura global e demonstra que as geleiras perderão cerca de 30% de sua massa se os termômetros registrarem um aumento de 1,5ºC e cerca de 50% se subirem 4ºC”, explica o glaciólogo Etienne Berthier, 46, do Laboratório de Estudos em Geofísica e Oceanografia Espacial da Universidade de Toulouse, na França, e um dos autores do estudo.
O aumento de 1,5ºC é o objetivo mais ambicioso do Acordo de Paris, adotado em 2015 por 195 países, mas tem sido desconsiderado como possibilidade real por boa parte da comunidade científica. Ainda assim, o objetivo foi reiterado no Acordo de Glasgow feito durante a COP26, em 2021.
“A evolução do derretimento dos glaciares é dramática. Queremos comunicar as lideranças globais que a situação é grave e que é preciso reduzir ao máximo o uso de combustíveis fósseis.”
Segundo Berthier, as novas imagens de satélites referentes aos últimos 20 anos apontam para uma aceleração sem precedentes do degelo de glaciares. Entre os anos 2000 e 2019, essa aceleração foi de 30% e esses dados tornaram o modelo mais realista, afirma o pesquisador.
O estudo indica que as primeiras vítimas serão as geleiras menores, de até um quilômetro quadrado, que são mais vulneráveis, e aquelas localizadas em baixas e médias altitudes. Sendo assim, as geleiras dos Andes e dos trópicos, como o monte Kilimanjaro, na Tanzânia, estariam condenadas a mais curto prazo, enquanto as do Cáucaso, dos Alpes e do oeste dos Estados Unidos devem desaparecer mais adiante, até 2100.
Berthier lembra que nos Pirineus, região próxima a Toulouse, muitas geleiras pequenas já desapareceram, fechando estações de esqui e outras atrações turísticas antes vinculadas à presença permanente de neve. “Outras tantas, nessa região, desaparecerão em dez ou 20 anos. O fato de haver tão pouca neve neste momento é um mau presságio para o próximo verão.”
“A principal consequência prática desse rápido degelo de glaciares é sua contribuição para o aumento do nível dos mares. Somados ao derretimento das regiões da Groenlândia e Antártica e ao próprio aquecimento das águas, a liquefação de geleiras deve contribuir para que o nível do mar suba entre 60 e 90 centímetros até o final do século”, afirma ele.
“Só as geleiras farão o nível dos mares subir até 15 centímetros. E isso vai comprometer a vida em boa parte das cidades litorâneas do planeta, como as da costa brasileira, por exemplo.”
Uma segunda consequência da aceleração do derretimento de geleiras é que muitas delas funcionam como o que Berthier chama de “torres de água”. Elas concentram água congelada durante os meses de inverno e, à medida que o tempo esquenta, derretem, fornecendo água para 1,9 bilhões de pessoas no mundo todo.
“É um serviço que os glaciares promovem para a humanidade nos meses mais quentes, justamente quando mais se precisa de água, e que não haverá mais”, aponta ele.
Os cálculos do estudo publicado na Science foram aperfeiçoados, explica o glaciólogo, a partir da inclusão de dois processos antes descartados pelos estudos. O primeiro é o derretimento de geleiras que terminam em lagos, rios e mares, o que promove a ruptura de blocos maiores de gelo, formando icebergs. O segundo é a acumulação de poeira e outros dejetos na superfície de glaciares, criando manchas escuras na neve, que incrementam o ritmo de degelo.
“Todos esses fatores contribuíram para que nossa pesquisa encontrasse perdas maiores e mais rápidas que estudos anteriores”, explica Berthier.
Ele se diz cético a respeito de projetos mirabolantes de preservação de geleiras, como o uso de coberturas sobre glaciares para preservá-los durante os meses mais quentes do ano ou a disposição de espelhos no espaço para refletirem parte dos raios solares.
“Cobrir as geleiras é algo que funciona apenas em uma escala muito pequena, por exemplo, num trecho de neve de um resort de esqui. É impossível cobrir uma montanha inteira”, avalia. “Outros projetos me parecem arriscados porque não sabemos que consequências teriam para a natureza, e algumas podem ser inesperadas”, completa.
“Minha escolha hoje é pela redução na emissão de gases de efeito estufa. Nesse campo, existem projetos interessantes de captura desses gases da atmosfera para estoque no subterrâneo terrestre. Mesmo assim, são propostas ainda impossíveis de serem implementadas em escala global”, diz.
“A forma mais segura e eficiente de reduzirmos o aquecimento global ainda é a redução da emissão desses gases.”
O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open Society Foundations.