(FOLHAPRESS) – Uma pesquisa inédita do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) analisou as causas de mortes ocorridas dentro do sistema prisional e de pessoas que, mesmo na rua, ainda mantinham vínculos com ele. Entre quem deixou as penitenciárias e morreu, o tempo médio de vida longe das grades foi de um ano e meio -e a violência responde pela maior parte dos casos.
Segundo o relatório, apresentado pelo conselho no último dia 11, questões de saúde e vinculação ao mundo do crime são dois dos principais problemas que tornam as pessoas que saem do sistema prisional mais suscetíveis à morte.
A pesquisa “Letalidade prisional: uma questão de justiça e de saúde pública” foi feita por um grupo de pesquisadores da FGV e do Insper.
Foram coletados mais de 100 mil processos judiciais em que houve sentença pela extinção de punibilidade em razão da morte do agente proferida entre 2017 a 2020, ou seja, que o processo foi encerrado por causa da morte da pessoa acusada.
Desse quantitativo, houve a seleção de uma amostra com 1.168 processos judiciais de todas as unidades da Federação para ser analisada -116 deles referentes a mortes dentro do sistema prisional (internas) e 1.052 acerca de mortes fora da prisão (externas).
Neste último caso, a pessoa tinha vínculo com o sistema de justiça criminal, estando, por exemplo, em prisão domiciliar, livramento condicional, regime aberto, liberdade provisória, saída temporária ou trabalho externo durante o regime semiaberto.
A pesquisa aponta que, mesmo o Judiciário tendo controle menor sobre mortes externas, esses casos são de interesse uma vez que a liberdade não rompe os vínculos com o cárcere ou apaga suas marcas.
“Arriscamos afirmar que a liberdade apenas desloca a natureza das relações que, do lado de fora dos muros, ligam sujeitos, punição, fragilização e até mesmo a supressão de possibilidades de existência material”, avalia o estudo.
“Esse dado comprova um fato importante: a pessoa sai da prisão doente ou em situação de envolvimento com o crime organizado, com dívida, com uma carreira na delinquência consolidada e se torna ainda mais alvo, uma prevalência maior de letalidade que a média da população” afirma Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
“Esse dado me chamou muito a atenção, a prisão é um fator de aceleração da letalidade e pode ser considerado um dos fatores de agravamento do risco de morrer”, acrescentou Lima, que não participou da pesquisa.
No que diz respeito ao local do óbito nos casos das mortes externas, há uma prevalência para casos em que a ocorrência se deu na rua, o que normalmente vem assinalado nos documentos oficiais como via pública.
A via pública foi o espaço das mortes violentas intencionais, como os homicídios, e acidentais, como os acidentes de trânsito. Depois, o local mais comum foram as unidades de saúde.
No entanto, a pesquisa ressalta que assinalar “unidade de saúde” pode não deixar muito clara a dinâmica e causa da morte, embora evidencie que houve algum tipo de assistência médica. Isso porque a unidades de saúde recebem vítimas de causas diversas, como tentativas de homicídios, acidentes, doenças e até pessoas que tentaram suicídio.
Os casos mais frequentes são relacionados a pessoas que morreram em liberdade provisória (42,16%), ou seja, chegaram a ser custodiadas -presas em flagrante ou preventivamente. Em seguida, aparecem as pessoas cumprindo regime aberto, prisão domiciliar e penas restritivas de direitos.
CAUSAS DAS MORTES
A pesquisa revela ainda que, entre as mortes externas, 23% não tiveram a causa da morte identificada. Esse percentual é ainda maior quando se fala em mortes internas, em que a pessoa morreu dentro do sistema prisional, correspondendo a 28,45% dos casos.
Segundo a pesquisa, não saber como e por que pessoas morrem dentro das unidades prisionais é ponto de atenção e preocupação. A falta de informação pode contribuir para as taxas de subnotificação sobre a morte e dificulta a vigilância em saúde e controle de doenças infectocontagiosas.
O estudo chama a atenção também para a quantidade de mortes por asfixia mecânica, estrangulamento ou sufocação indireta, representando 15% dos casos internos estudados, enquanto agressão por sufocamento, incluindo sufocamento acidental, representaram 0,11% das mortes totais no país.
Apesar do pouco interesse sobre o fenômeno no Brasil, entre 2016 e 2019 a taxa de mortes por suicídio nas cadeias subiu de 15,7 para 25,2 mortes a cada 100 mil presos.
O estudo mostra ainda mortes de internos por sepse, doenças do aparelho circulatório. Todos os agravos de saúde, segundo o relatório, podem ser potencializados devido à precariedade e à superlotação dos estabelecimentos.
Outro ponto destacado no estudo é a precariedade de registro das informações de identificação racial, comorbidades, renda ou escolaridade. Em poucos casos foi possível saber se algum exame pericial foi realizado em função da morte.
Em 29,6% dos processos envolvendo morte interna existia a informação de que algum tipo de investigação havia sido iniciado. Em 70,43% dos casos, esse dado é inexistente no processo.
Maíra Rocha Machado, uma das coordenadoras da pesquisa e professor da FGV Direito SP, avalia que a falta de dados prejudica o processo. Na sua visão, a falta de informações sobre a abertura ou não de investigação sobre a morte também é um jeito de contar sobre o engajamento ou interesse dos atores de sistema de Justiça em relação às mortes de pessoas privadas de liberdade.
“Nas mortes internas isso é ainda mais grave porque a pessoa estava totalmente sob a custódia do Estado, cumprindo uma pena em função de uma decisão tomada inicialmente pelo Ministério Público e pelo Judiciário. Imaginar que ninguém buscou a produção de perícia, apuração para expressar a causa dessa morte é um ponto muito sério, grave. A família fica sem essa informação e dificulta a lidar com políticas públicas para poder intervir no problema”, conclui Machado.
Renato Sérgio Lima concorda com a pesquisadora ao mencionar que não saber o motivo da morte dentro do sistema prisional é grave. Isso mostra, na sua visão, que as prisões viraram quase que depósito de pessoas e um ambiente extremamente de risco.
“Teoricamente a prisão precisaria ser um espaço onde o Estado retira a liberdade, mas garante a integridade da pessoa. E a gente vê no estudo que não é bem assim. A letalidade prisional começa a se agravar não só pelos assassinatos, mas também por doenças, pelas condições da superlotação prisional”, afirma Lima
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