SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A primeira-ministra da Escócia, Nicola Sturgeon, surpreendeu aliados e rivais ao anunciar sua renúncia ao cargo nesta quarta (15). Uma das maiores defensoras da independência do país e primeira mulher a chefiá-lo, ela foi a líder mais duradoura do governo semiautônomo -ficou no poder por mais de oito anos.
Em um encontro com jornalistas convocado às pressas, Sturgeon alegou que sua decisão não tem relação direta com polêmicas dos últimos meses, que incluem atritos constantes com o governo central do Reino Unido e debates calorosos acerca de políticas sobre identidade de gênero.
Muitos especulavam que a renúncia teria sido motivada por uma controvérsia recente envolvendo uma dessas medidas, em que seu governo afirmou que revisaria a gestão de presídios para impedir que pessoas trans com histórico de violência de gênero ficassem detidas em presídios femininos.
Sturgeon negou que o caso tenha influenciado sua decisão, mas reconheceu que um dos motivos para a renúncia foi o entendimento de que ela se tornou uma figura polarizadora demais na já dividida política escocesa. O ideal, então, seria um líder acerca do qual “ainda se não tenha opinião definida”, disse ela.
“Um dos meus arrependimentos é não ter oferecido condições para que debates como esses tivessem abordagens mais racionais. Alguns são polêmicos por si só, mas ideias sobre mim ficaram sobrepostas, e discussões que deveríamos ser capazes de ter racionalmente viram algo muito diferente disso.”
A primeira-ministra ainda citou certo esgotamento em relação às mais de duas décadas que passou no poder -hoje com 52 anos, ela venceu sua primeira eleição aos 29, em 1999, e atuou como vice-primeira-ministra por sete anos antes de ser escolhida para liderar o país, em 2014.
“Dar absolutamente tudo de si mesmo é a única forma de exercer essa função, e o país não merece nada menos do que isso. A verdade é que qualquer pessoa só é capaz de fazer isso por um certo tempo. Para mim, esse tempo talvez tenha se estendido demais”, disse. O desabafo lembrou de certa forma o discurso de renúncia de Jacinda Ardern, ex-primeira-ministra da Nova Zelândia, há menos de um mês. Para ela, governar exige “um tanque cheio e mais um pouco de gasolina na reserva para os desafios inesperados”.
Sturgeon não deixará o cargo imediatamente, de modo a permitir que seu partido, o SNP (Partido Nacional Escocês, na sigla em inglês) organize as eleições. Ela também ressaltou que não pretende deixar a política -e que seguirá advogando pela independência da Escócia, sua principal bandeira política.
A primeira-ministra deixa o posto longe de concretizar seu sonho, quase uma década depois de a população da Escócia ter rejeitado a proposta de se separar do Reino Unido em um plebiscito de 2014. Na ocasião, 55% dos eleitores votaram contra a independência.
O SNP defende, no entanto, que o brexit -contestado pela maioria dos escoceses- alterou as regras do jogo e deu margem para a convocação de um novo referendo. O objetivo do partido é tornar o território que hoje é parte do Reino Unido em um Estado autônomo e membro da União Europeia (UE).
Ao comentar o assunto, a primeira-ministra acusou o governo central de estar adicionando ainda mais obstáculos ao avanço da pauta, numa atitude que ela chamou de “antidemocrática”. Em novembro, a Suprema Corte britânica jogou um balde de água fria sobre o governo dela ao decidir que Edimburgo não tem o direito de realizar uma nova consulta pública do tipo sem o consentimento do Parlamento de Londres -Sturgeon tinha até sugerido uma data para o novo plebiscito, 19 de outubro de 2023.
Esse não foi o único imbróglio recente com o governo central. Também no final do ano passado, o premiê britânico, Rishi Sunak, barrou uma lei sobre direitos de pessoas trans aprovada pelo Parlamento escocês. Foi a primeira vez que essa prerrogativa foi usada desde que ela foi estabelecida, há 25 anos.
A lei simplificava a burocracia para alteração legal de gênero, propondo a diminuição da idade mínima para a realização do procedimento, de 18 para 16 anos, e o fim da exigência de diagnóstico médico de disforia de gênero -bastaria pedir um certificado de mudança para emitir a nova certidão de nascimento.
Questionada sobre possíveis sucessores, Sturgeon preferiu não citar nomes, mas disse ter convicção de que essa pessoa guiará a Escócia em direção à independência. Entre os cotados para assumir o posto estão Angus Robertson, 53, à frente das pastas de Relações Exteriores e Cultura; o vice-premiê, John Swinney, 58, um dos políticos mais experientes entre seus aliados; e Kate Forbes, 32, secretária de Finanças, que, além de ser bem vista entre outros membros da legenda, tem respeito no Parlamento.