DANIELA ARCANJO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em 2022, em média mais de 40 crianças e adolescentes com até 14 anos foram atendidos por semana em unidades de emergência em decorrência de ferimentos por armas de fogo nos EUA. O número alarmante, porém, nem sequer é o pior dos últimos anos -a taxa nessa faixa etária saltou após a pandemia de Covid.
A média é de um estudo do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) com base em dados do registro de saúde eletrônico. O artigo não diferencia os ferimentos por intenção, como tentativa de suicídio, agressão ou acidente. Os resultados, contudo, dialogam com os de outros levantamentos que apontam para um aumento da taxa de homicídios por arma de fogo no país.
De acordo com os dados do levantamento, em 2019, não chegava a 30 por semana o número de pessoas na faixa etária de 0 a 14 anos que iam para um centro de saúde devido a um ferimento por armas. O cenário, porém, mudou em 2020, quando a média de ocorrências semanais pulou para 41,4 -aumento de 38%. Em 2021, a taxa nesse grupo atingiu o pico de 43,2 e, em 2022, foi para 40,4 -índice ainda 34% maior do que em 2019, antes da crise sanitária.
O aumento de visitas ao pronto-socorro por ferimentos com armas de fogo não é exclusivo de crianças e adolescentes. Esse tipo de ocorrência atingiu, em média, 1.170 pessoas por semana no país em 2022, número 19,5% maior do que as 979,3 vítimas semanais de 2019.
O grupo mais atingido é o de homens entre 15 e 24 anos, que, em 2020, atingiu uma média de mais de 400 casos semanais. O número de vítimas até os 14 anos, porém, foi o que mais aumentou após a pandemia -e, mesmo nessa faixa etária, o número de meninos feridos sempre é maior em relação às meninas, em uma proporção de três para um, em média. Todos os outros grupos registraram aumento desde 2019, com exceção dos homens com mais de 65 anos em 2022.
“Lesões por arma de fogo e morte são um problema de saúde pública significativo e crescente nos Estados Unidos”, afirma Marissa Zwald, epidemiologista do CDC. “Embora seja encorajador que as taxas em crianças e adolescentes tenham diminuído em 2022, elas permanecem elevadas em relação a 2019.”
As causas do aumento não foram investigadas pelo grupo de pesquisadores, mas Zwald cita desafios enfrentados por crianças e adolescentes na pandemia como contexto para esse salto, como insegurança financeira, interrupções na rotina e na escolaridade e mudanças no acesso a cuidados de saúde, incluindo serviços de saúde mental. Além disso, mais tempo em casa aumentou o acesso dos jovens a armas, em um país onde existem cerca de 400 milhões de armas de fogo em circulação –mais armas que pessoas.
Houve ainda aumento significativo de ocorrências totais em março de 2020, quando a Organização Mundial da Saúde declarou que a Covid-19 era uma pandemia e diversos países, como os EUA, declararam estado de emergência nacional; e no final de maio, quando manifestantes tomaram as ruas das principais cidades americanas em protestos contra racismo e violência policial após a morte de George Floyd.
O estudo foi divulgado no último dia 30, na mesma semana em que mais um ataque a tiros foi registrado em uma escola nos EUA -o 90º em uma escola americana só este ano, de acordo com a contagem do site K-12 School Shooting Database, fundado pelo pesquisador David Riedman. No ano passado, foram 303 incidentes do tipo, maior cifra do banco de dados, que tem uma série histórica que vai até 1970.
O ataque em uma escola cristã de Nashville, sul dos EUA, deixou sete mortos -incluindo três crianças de 9 anos. Foi o 129º caso com quatro ou mais mortes no país este ano, de acordo com a ONG Gun Violence Archive, cifra que reviveu, novamente, o debate sobre a regulação de armas. “Peço novamente ao Congresso para aprovar minha proibição de armas de assalto”, afirmou o presidente Joe Biden na ocasião, referindo-se a uma categoria que engloba, na maioria das definições, armas de fogo semiautomáticas.
“A prevenção de mortes por armas de fogo requer uma abordagem abrangente e com diferentes parceiros de vários setores”, afirma Zwald à Folha de S.Paulo. Ela cita programas com líderes das comunidades, que podem mediar conflitos, projetos de prevenção da violência e aprimoramento do sistema de segurança para armas de fogo. “Uma abordagem abrangente inclui formuladores de políticas, como governos locais e estaduais, agências de saúde, educação, justiça e serviço social, negócios e organizações comunitárias.”