DANIELE DUTRARIO DE JANEIRO, RJ (UOL/FOLHAPRESS) – Após a divulgação do caso da mãe que foi dar à luz e teve mão e punho amputados, o Hospital da Mulher NotreDame Intermédica, de Jacarepaguá, zona oeste do Rio de Janeiro, passou a ser alvo de diversas denúncias de ex-pacientes. A procura de Gleice Kelly Gomes Silva, 24, por uma explicação para o fato de ter perdido parte do membro esquerdo acabou inspirando mais de 10 famílias a buscarem a polícia, pela 41ª DP, para pedir investigação sobre o que teria “dado errado” em seus atendimentos que resultaram de infecções a perdas de úteros ou de bebês.
Há um ano, a redatora Gabriela Marques, 27, luta por justiça pela perda do seu filho único, que nasceu com vida, saudável, mas quando começou a ter problemas respiratórios, não foi socorrido a tempo. Era janeiro de 2022 e o parto ocorreu sem intercorrências. Mãe e filho foram conduzidos a um quarto, mas o pai do menino, o professor de educação física Carlos Leonardo Marques dos Santos, 28, percebeu que tinha algo errado.
O bebê não parava de chorar e demonstrava algum tipo de desconforto. De imediato, o pai pediu ajuda aos enfermeiros e solicitou a presença do médico. Segundo o casal, os profissionais só teriam aparecido após cerca de quatro horas, e a criança já estaria com baixa saturação e necessitada de um respirador àquela altura.
“Levaram meu filho para a UTI pelo meio da rua, pois não tinha ambulância para transportá-lo. Só apareceu a equipe médica após às 22 horas para nos socorrer, sendo que fomos para o quarto pouco depois das 18h”, diz Gabriela. “O sentimento de impotência foi muito grande, jamais imaginávamos que o nosso filho fosse ficar tanto tempo sem um suporte”, completa Carlos Leonardo.
O casal conta que uma enfermeira e uma pediatra, acompanhadas do pai, foi correndo com o bebê no colo até uma outra unidade de saúde, pois no hospital não havia respirador, equipamentos para suporte emergencial ou ambulância para transportar o recém-nascido em segurança. O primeiro filho do casal não resistiu e acabou morrendo antes de ser entubado.
“Até hoje, tudo o que recebi do hospital foi um atendimento negligente e agressivo. Entrei com meu filho saudável na barriga e saí apenas com o corpo frio, depois de tanto tempo agonizando, enquanto funcionários nos atendiam de mau humor e sem qualquer técnica”, relata Gabriela à reportagem. O caso é investigado pela 41ª DP, que também averígua o episódio da amputação.
A balconista Maria Lúcia Alves de Lima, 35, acredita que ela e sua filha tenham sido mal atendidas. No dia 26 de dezembro, já internada, ela recebeu a notícia que sua bebê estava morta, dentro do ventre. Mas ela ainda precisou fazer o parto sem acompanhamento especializado.
A exposição de mãe e filha teria começado muito tempo antes do parto em si, por precisar esperar 12 dias para finalmente conseguir ser internada. No dia 6 de dezembro, quando estava com 24 semanas de gestação, Maria foi ao médico para exames de rotina, mas o resultado da ultrassonografia transvaginal e morfológica deu revelou um afunilamento do colo do útero, que colocaria em risco sua gravidez. A recomendação foi de internação com urgência, para que uma equipe tentasse manter o bebê no ventre até a 32ª semana.
Apesar disso, a mulher se consultou com outras duas médicas nos dias seguintes. A primeira, que a acompanhava, apenas fez um exame do toque e lhe pediu apenas repouso do trabalho, sem qualquer atestado médico. A segunda foi num plantão de emergência, quando passou a sentir dores e ardência na urina. Foi admitida na hora. Oito dias depois, descobriu a perda.”Fiquei internada do dia 18 ao dia 26, mas fui muito negligenciada. Só tinha médico pela manhã. Passava muito mal durante a noite, madrugada, vomitava, sentia enjoo, dores e contrações. No dia 26, recebi a notícia que minha filha estava sem vida. Me deram um remédio para forçar o parto, mas estava em choque, só chorava. Eu lembro que eu nem conseguia abrir as pernas, não tinha forças e nem tinha ninguém para me ajudar, já que a médica tinha avisado que só viria quando nascesse. Só Deus me ajudou naquele momento”, relatou a mulher. “Depois eu fiquei sabendo que a unidade não tinha UTI Neonatal. Como eu teria a minha filha ali, prematura?”, questiona.
À reportagem entrou em contato com a Polícia Civil do Rio de Janeiro para verificar o andamento das investigações da 41ª DP. Este espaço será atualizado tão logo haja manifestação.
ENTENDA O CASO GLEICE KELLY, QUE INSPIROU NOVAS DENÚNCIAS
Gleice foi admitida para um parto normal em 9 de outubro de 2022, com 39 semanas de gestação. Após apresentar complicações devido a uma hemorragia, ela precisou ser transferida para a unidade hospitalar de São Gonçalo, na região metropolitana.
Enquanto tratava o quadro hemorrágico, o acesso para receber medicamentos no braço esquerdo, feito no Hospital da Mulher de Jacarepaguá, preocupava Gleice e a família, devido ao inchaço e coloração arroxeada na mão.
Cerca de 12 horas depois, segundo a família da paciente, os funcionários decidiram pegar um acesso no outro braço e em seguida, um acesso profundo no pescoço da paciente. Gleice foi transferida, sua mão e seu antebraço estavam roxos, e quatro dias depois, ela recebeu a notícia que precisaria fazer uma amputação.
“Depois do caso da Gleice, outras mães começaram a identificar que foi no mesmo local que elas tiveram problema. Essas mulheres querem não só entrar com um processo, mas serem testemunhas e colaborarem de alguma forma, com o que for preciso, porque elas também passaram por isso. Tenho relatos de pessoas perdendo útero, com infecção hospitalar, mulheres perdendo seus bebês, uma avó que perdeu a filha e o neto. Já são mais de 18 casos e mais de 10 registrados na 41ª DP”, diz Monalisa Gagno, advogada de Gleice Kelly.
O QUE DIZ O HOSPITAL
Sobre a amputação de Gleice, o hospital nega que tenha ocorrido erro médico e negligência. Em nota, eles ainda dizem que ela “recebeu assistência de todos os médicos, especialistas e recursos necessários na tentativa de preservar o braço esquerdo. Porém, devido à irreversível piora do quadro com trombose venosa de veias musculares e subcutâneas, houve a necessidade de se optar pela amputação do membro em prol da vida da paciente.
Sobre as pacientes que passaram a acusar o hospital, o Hospital da Mulher diz “entender” que “todos os pacientes e familiares têm direito a todos os esclarecimentos e dirimir suas dúvidas”.
A administração da unidade de saúde afirmou, em nota à reportagem que instaurou uma investigação interna “dentro da maior lisura e transparência. Se identificado qualquer falha, atuará com o rigor exigido”.
O hospital destacou ainda que realizou mais de 2 mil partos em 2022, que mantém indicadores dentro da normalidade e não registrou mortes maternas em 2022. A empresa, no entanto, não se manifestou sobre casos de mortes infantis na unidade.