Pastores que apoiaram Bolsonaro condenam vandalismo em Brasília; Malafaia diverge

(FOLHAPRESS) – “Máscara, vinagre, óculos de natação… E Deus será nosso escudo”, escreveu a pastora Mari Santos, uma pastora manauense que não só participou do vandalismo que tomou Brasília no domingo (8), como postou cada passo seu numa rede social.

Naquele momento, Santos saía do quartel-general da capital rumo à Esplanada dos Ministérios, de onde horas depois viria uma resposta policial, com bombas de efeito moral, que exigiria o uso do “kit-protesto”.

O cantor gospel Salomão Vieira já havia aparecido em vídeo convocando o que chamou de patriotas para estar no Distrito Federal neste fim de semana.

Ana Marita Terra Nova, casada com uma das maiores lideranças evangélicas do país, o apóstolo Renê Terra Nova, reproduziu em suas redes um chamado para ação. “Dois meses nos quartéis: valeu muito, sim! Agora… É parar e dizer mesmo: intervenção militar!”, dizia a mensagem que compartilhou na véspera da tentativa de golpe.

O portal Fuxico Gospel descreveu cenas de fiéis entoando louvores durante o protesto que depredou prédios dos Três Poderes. Houve quem evocasse a Batalha de Jericó, quando israelitas, na força do brado popular, derrubaram a muralha local.

A tarde golpista, contudo, mais serviu para erguer muros entre líderes evangélicos que em 2022 se alinharam em prol de Jair Bolsonaro (PL). A união vista durante a campanha eleitoral se espatifou quando uma parte desses pastores condenou os atos, e a outra evitou palavras mais duras e equiparou a barafunda bolsonarista a invasões prévias conduzidas por grupos à esquerda. Silas Malafaia é a voz mais perfurante dessa ala.

O apóstolo Estevam Hernandes, à frente da Renascer em Cristo e da Marcha para Jesus, não gostou do que viu. Disse à Folha repudiar “essa forma grotesca e antidemocrática” de protestar, “porque Deus nos deu a paz de Cristo”.

“A manifestação somente é legítima quando é pacífica. Fora isso, torna-se o vandalismo que estamos presenciando. Minha oração é que Deus tenha misericórdia do Brasil.”

Depois, durante um culto na noite de domingo, disse em púlpito que “esse não é o caminho da democracia, não é o caminho da vontade de Deus”.

“Infelizmente as pessoas radicalizam e esquecem que só existe um caminho, que é o da oração”, pregou. “Oramos para que Deus interfira segundo a sua vontade. Nós repudiamos completamente o que está acontecendo hoje em Brasília.”

Apóstolo da igreja Fonte da Vida e, como Hernandes, presente em atos de campanha de Bolsonaro, César Augusto também desaprovou a trama antidemocrática.

“Como pastor, sacerdote e ministro do Evangelho, não posso aceitar nenhum tipo de ação de violência, em hipótese alguma”, disse.

Agora é hora, segundo Augusto, de “pensar muito antes de falar, para não incendiar o que já está pegando fogo”. Uma boa oportunidade para “pessoas que sabem valorizar o diálogo, que pensam na nação, não pensam nas ideologias, entrarem em cena e apaziguarem o país”.

Já Malafaia, líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, falou em “manifestação do povo” e criticou o que enxerga como “dois pesos e duas medidas” no tratamento dado a manifestações bolsonaristas e de movimentos da esquerda.

“Cansei de ver o MST invadir prédio público e ficar acampado dois, três dias. A militância do PT pode fazer isso, e ninguém diz que é ato antidemocrático. Que conversa é essa? Ou será que nós estamos em que planeta? Em que país nós estamos? Ou será que o povo, a imprensa, os políticos têm amnésia?”

Estamos falando, afirmou o pastor ao jornal, de uma “manifestação do povo”.

“E aí? Usa dois pesos, duas medidas? Quando é a cambada de esquerda, é ato de livre manifestação. Quando são os outros, é ato antidemocrático? Isso é uma vergonha.”

Mais tarde, em vídeo, Malafaia listou tentativas de invasão do Movimento dos Sem Terra, como uma empreendida contra o Supremo Tribunal Federal em 2014, que deixou policiais feridos.

Emendou dizendo que foi “contra quebra-quebra de petistas” e continua “contra quebra-quebra” em geral. E vaticinou: “Não brinque nem massacre com o povo, que tem revolta popular”.

Presidente da bancada evangélica e membro da mesma Vitória em Cristo, o deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) usou estratégia similar de comparar protestos distintos.

Postou na internet montagem com uma foto de manifestantes ocupando a cobertura do Congresso nos protestos de 2013, que começaram na esquerda e resvalaram para uma miscelânea ideológica, e o ato deste domingo, que devastou várias áreas internas do Executivo, do Judiciário e do Legislativo.

“Na democracia TODA manifestação tem um recado claro”, disse. “O que é inaceitável é a violência e depredação do patrimônio público, não compactuo com esses atos! Que a ordem seja retomada.”

A reprovação veio escoltada por uma crítica a Lula. “Ver um descondenado virar presidente causa revolta!!! Deus tenha misericórdia do Brasil!”

Outra ponta de lança do bolsonarismo nas igrejas, o deputado federal e pastor Marco Feliciano (PL-SP) afirmou ver como legítima “a revolta popular, que é quando um grupo de pessoas se organizam para protestar”. Mas as depredações provocadas por “ânimos acirrados” ultrapassaram o sinal, segundo ele.

“Por causa delas, os manifestantes serão chamados de baderneiros e criminosos. O que vem a seguir será uma repressão sem limites.”

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