Político é condenado por não apagar comentários de outros e gera debate jurídico

IVAN FINOTTI
MADRI, ESPANHA (FOLHAPRESS) – Especialistas em direito constitucional que atuam em organizações de defesa da democracia e da liberdade de expressão criticaram uma decisão emitida nesta semana pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH).

Na segunda-feira (15), ele condenou um político de ultradireita francês por islamofobia. A corte, que tem sede na própria França, em Estrasburgo, apenas ratificou uma condenação anterior do político, Julien Sanchez, por incitação a ódio.
O problema é que não foi o francês que fez declarações problemáticas –ele apenas não apagou comentários islamofóbicos que outras pessoas escreveram em uma postagem sua no Facebook, em 2011.

Juristas ouvidos pela Folha temem que a decisão crie um precedente no qual as pessoas passem a ser responsáveis pelos comentários que outros porventura escrevam em seus perfis nas redes sociais.

Miguel Ángel Presno Linera, professor de direito constitucional da Universidade de Oviedo, na Espanha, afirma que é verdade que ele poderia ter moderado os conteúdos, mas que não faz sentido estabelecer isso como regra.

“Eu, por exemplo, tenho uma conta no Facebook com quase 5.000 seguidores. Se sou obrigado a ter de fiscalizar os comentários que as pessoas escrevem lá, isso seria uma obrigação desproporcional”, exemplifica Linera, autor de uma série de livros sobre liberdade de expressão.
Filiado desde os 16 anos ao partido radical Reagrupamento Nacional, de Jean-Marie e Marine Le Pen, Sanchez, 39, é atualmente prefeito de Beaucaire, cidade de 16 mil habitantes onde nasceu, próxima a Marselha.

Após perder em diversas instâncias e de ser multado e condenado por crime de ódio pela Justiça francesa em 2021, o político recorreu ao TEDH, uma das mais respeitadas cortes internacionais. Seu argumento foi que a decisão original violava o artigo 10 da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, que garante a liberdade de expressão. Mas tribunal declarou que não houve violação.

Na sexta (19), Sanchez concordou em dar uma entrevista a este jornal, mas não retornou após receber as perguntas por email.
Para Linera, o julgamento do político é de grande relevância. “Acredito que dois aspectos devem ser diferenciados para fins jurídicos: o textual e o contextual. Quanto ao textual, tenho dúvidas. O próprio TEDH, em uma conhecida e muito importante decisão de 1976, no caso de Andy Schmitt contra Reino Unido, já disse que a liberdade de expressão não abrange apenas as opiniões bem recebidas e favoráveis, mas também aquelas que podem incomodar ou ofender uma parte da sociedade. Assim, nem todo sentimento de ofensa gera o direito de o infrator ser punido, inclusive criminalmente”, afirma o professor.

“Quanto ao aspecto contextual, você não pode comparar alguém que possui uma conta no Twitter ou no Facebook com as próprias plataformas, que têm recursos para moderar conteúdo e podem usar inteligência artificial para isso. Para não me ver em apuros ou, pior, com problemas na Justiça, vou me autocensurar e não vou mais permitir comentários de ninguém no meu mural do Facebook?”

A opinião de Linera é compartilhada por seu compatriota Ignacio González Vega, especialista em código penal e membro do grupo Juízes pela Democracia. “Permitir a responsabilidade penal por conteúdos de terceiros para alguns usuários de redes sociais não me parece correto. Isso poderia impedi-los de ter uma seção de comentários em suas contas de redes sociais, o que, por sua vez, impediria debates sólidos e um discurso democrático”, afirma Vega.

A ONG Artigo 19, entidade de defesa a liberdade de expressão, também publicou um comunicado em que se diz “seriamente preocupada com o impacto desta decisão sobre a liberdade de expressão online”.

Diretora jurídica da organização, Chantal Joris diz que o cerne do problema não é se comentários específicos constituem ou não discurso de ódio e deveriam ser removidos de uma plataforma, um debate recorrente no direito.

“A questão é que Sanchez foi processado por não remover de seu perfil os comentários escritos por outras pessoas”, diz ela, que afirma que não se deve esperar que usuários monitorem e tomem medidas em relação aos comentários deixados por outras pessoas. “Eles não têm legitimidade e capacidade para fazê-lo.”

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Joris afirma que a decisão ainda é perigosa por uma outr a questão. Segundo ela, a sentença pode encorajar campanhas direcionadas a deixar comentários de ódio em postagens de certos políticos proeminentes, ativistas ou defensores dos direitos humanos para torná-los sujeitos a processos criminais por não terem rastreado potencialmente centenas ou milhares de comentários em suas postagens.

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