(FOLHAPRESS) – Alertas de desmatamento na Amazônia e em outros biomas brasileiros sinalizam a urgência do combate ao fogo na iminência do período de estiagem -quando a vegetação derrubada costuma ser queimada. Neste ano, a situação pode se agravar com a chegada do El Niño, cujo início foi declarado por cientistas na última sexta-feira (8).
O fenômeno climático deve acentuar a temporada seca e quente na floresta amazônica, aumentando o risco de degradação por incêndios.
Especialistas veem na convergência de desmatamento em alta e ocorrência de El Niño um cenário de “tempestade perfeita” para a destruição do bioma. Por isso, pesquisadores afirmam que o país precisa acelerar ações e regulamentar sua política nacional para o manejo de fogo nas áreas rurais.
O Ministério do Meio Ambiente, por sua vez, afirma que “após quatro anos de desmonte das políticas ambientais no país, a nova gestão do Ibama está preparada para o combate e a prevenção dos incêndios florestais”. O orçamento, de acordo com a pasta, cresceu 113% em relação ao ano anterior.
Outra medida necessária, apontam cientistas, é concentrar esforços no combate à degradação florestal, problema que costuma suceder ações de desmatamento e pode levar a cenários como o ponto de não-retorno, quando a floresta não consegue mais se regenerar.
Para especialistas ouvidos pela reportagem, a grande aposta do governo federal para reduzir o desmatamento na floresta, o novo PPCDAm (Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal), não oferece indicadores e medidas de curto prazo para enfrentar o fogo.
Isso porque o tipo de fogo que gera mais danos à floresta amazônica, segundo a pesquisadora Erika Berenguer, da Universidade de Oxford, começa agora. É o incêndio utilizado por criminosos como uma “limpeza” do desmatamento.
“Depois de o trator de esteira entrar e derrubar a floresta, você deixa ali a floresta secando por semanas ou meses, até tocar fogo”, explica.
Berenguer ressalta que a temporada desse tipo de queimada, em 2023, se dá numa floresta mais quente e com redução de chuva em alguns pontos, riscos que se somam aos efeitos do El Niño, que deve avançar nos próximos meses.
O fenômeno é marcado por um aquecimento acima da média no oceano Pacífico, perto da linha do Equador. Ele muda a circulação dos ventos alísios, que vão de leste a oeste, levando umidade e águas mais quentes da costa das Américas para Ásia e Oceania. Também é associado a recordes globais de temperatura.
No Brasil, há um aumento generalizado de temperatura, e uma acentuação do tempo quente e seco na região Norte, o que agrava os riscos de propagação do fogo na Amazônia.
“Nossa grande preocupação é o aumento de incêndios florestais em anos de El Niño, porque vemos uma redução significativa de chuva, floresta mais quente e seca. Isso facilita o espalhamento do fogo”, reforça Celso Silva Junior, professor do programa de pós-graduação em biodiversidade e conservação da UFMA (Universidade Federal do Maranhão).
Silva, que integra o Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), afirma que 69% da área da Amazônia estão sujeitos a seca. Para ele, 2015 e 2016, anos de El Niño, foram marcos das mudanças de intensidade do fenômeno ao longo do tempo e indicam os riscos que o país corre novamente agora.
O MMA (Ministério do Meio Ambiente), em nota à reportagem, afirma que a contratação de mais brigadistas e de duas aeronaves adicionais está em curso.
“A previsão é de um aumento aproximado de 18% de brigadistas em relação a 2022, com atuação de 2.101. Destes, 1.385 atuarão na Amazônia Legal (AM, AP, AC, RR, MT, RO, TO, MA), ou seja, um aumento de 15% do número de brigadistas previstos nos estados em comparação ao ano passado”, detalha a pasta.
Além dessas ações, o MMA diz que “a área de atuação direta do Ibama (competência federal) será ampliada para 50%, atingindo cerca 300 mil km2” e que “serão realizadas práticas de manejo do fogo, como queima prescrita, para minimizar a ocorrência de grandes incêndios”.
A degradação da floresta -com partes queimadas ou de madeira extraída- é vista pelos pesquisadores como um dano por vezes mais grave do que o desmatamento. O cenário se compara a um queijo suíço: os satélites que mapeiam o desmatamento identificam a copa das árvores numa área (ou a falta delas), mas não conseguem captar os buracos do queijo. O problema, assim, passa ao largo das estatísticas.
“É aí que você tem a mudança na floresta que chamamos de degradação”, resume Berenguer.
O dano resulta em mais emissões de CO2 e na falta de capacidade de a floresta atuar na regulação climática. Por isso, há efeitos nocivos, inclusive, na saúde de populações da região.
Em um documento da Rede Amazônia Sustentável elaborado em março deste ano, especialistas, incluindo Berenguer e Silva, recomendam a criação de indicadores da degradação e a definição de prioridades a partir deles para proteger a floresta.
Outro ponto recomendado é a criação de um fundo emergencial para o combate a incêndios florestais. Esses itens, critica a pesquisadora, não foram considerados pelo governo Lula (PT) no novo PPCDAm.
Para Ane Alencar, diretora de ciência do Ipam, o Brasil precisa reduzir o desmatamento e o uso de fogo, principalmente na agropecuária, apontada como maior vetor de desmate.
“Reduzir o desmatamento é o número um. O passo número dois é reduzir a queima de pastagens, e isso é uma questão de manejo e política pública.”
Ela explica que o principal problema na criação de gado é a sobrepastagem. O processo sobrecarrega o solo quando há uma concentração de cabeças de gado em uma determinada região, sem rotatividade.
Com o solo exposto, brotam as chamadas plantas pioneiras, arbustos e espécies com espinhos, que formam o que é conhecido como “pasto sujo”. Para limpá-lo e dar lugar ao capim, os produtores usam o fogo.
Segundo Alencar, a comunicação com produtores rurais é fundamental, junto ao manejo, para reverter o uso de fogo nessas situações. Ela defende, por isso, a aprovação de uma política nacional de regulação, que hoje aguarda análise no plenário do Senado.
Leia Também: Meio ambiente: desmatamento no Cerrado cresce 32% em 2022, mostra relatório do Ipam