Prisão de chefe da Cosa Nostra joga luz sobre mudanças na máfia italiana

MICHELE OLIVEIRA
MILÃO, ITÁLIA (FOLHAPRESS) – Foi uma notícia bombástica, anunciada em letras maiúsculas por telejornais e sites da Itália. Procurado havia 30 anos, Matteo Messina Denaro foi preso na última segunda (16), em sua terra natal, a Sicília.

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A avaliação de que representa o fim de uma era no país é uma unanimidade. Outra é que a captura está, por ora, longe de significar a derrocada da máfia e do grupo criminoso ao qual ele pertence, a Cosa Nostra.

Desde que foi preso em uma clínica privada de Palermo, onde tratava um câncer, e levado para um presídio em Áquila, a imprensa italiana vive em ritmo de “urgente” e “exclusivo”. Já foram revelados quem é o dono da identidade falsa que Denaro usava -o matemático Andrea Bonafede-, a reação da filha de 26 anos -“Me deixem em paz”- e a existência de três esconderijos em Campobello di Mazara, no sudoeste da ilha.

Neles, teriam sido encontrados joias, roupas de grifes e outros pertences íntimos, como preservativos e pílulas para disfunção erétil. Numa das paredes, um pôster de “O Poderoso Chefão”, saga sobre o clã Corleone, nome da cidade onde surgiu uma das facções da Cosa Nostra, com raízes no século 19.

Mais importante, porém, são os documentos recolhidos. Em pastas, agendas, cadernos e post-its há anotações sobre fluxos de dinheiro e números de telefone. Pode ser a chave para esclarecer crimes antigos e alcançar o círculo de pessoas que ajudaram Denaro nas três décadas em que esteve foragido.

“Foi uma prisão muito importante porque a figura de Denaro é a conjunção entre a máfia que atira e os colarinhos brancos da burguesia mafiosa. Ele é um assassino, ao mesmo tempo em que manteve relações com o mundo dos negócios e das finanças. Teve poder e prestígio até o fim”, afirma Alessandra Dino, professora da Universidade de Palermo. Pesquisadora de máfia há quase 30 anos, tem, entre os livros publicados, “Os Últimos Chefões – Investigação sobre o Governo da Cosa Nostra” (ed. Unesp, 2013).

Newsletter Lá fora Receba no seu email uma seleção semanal com o que de mais importante aconteceu no mundo; aberta para não assinantes. * Para a socióloga, a captura de Denaro significa o fim de uma época, por ser ele o último grande nome que faltava ser preso da cúpula que organizou atentados no início dos anos 1990, como os realizados contra os promotores antimáfia Giovanni Falcone e Paolo Borsellino, em 1992, que chocaram o país, assim como o que atingiu o então governador Piersanti Mattarella, em 1980, irmão do atual presidente italiano.

Companheiros de Denaro na Cosa Nostra foram capturados há anos, caso de Salvatore “Totò” Riina, que comandou o grupo na década de 1980, preso em 1993, e de seu sucessor, Bernardo Provenzano, encarcerado em 2006 -ambos estão mortos. Denaro, 60, é filho de outro mafioso, Francesco, nascido em Castelvetrano. Sua ascensão aconteceu ao longo dos anos 1980, quando o grupo tomou o controle de Palermo, numa disputa sangrenta -as fotos célebres da italiana Letizia Bataglia são dessa época.

Definido como carismático, declarou-se ateu em correspondências interceptadas pela polícia, nas quais citava filósofos e escritores como o brasileiro Jorge Amado. Foi condenado a prisão perpétua por dezenas de homicídios, incluindo o de um menino de 12 anos, sequestrado, estrangulado e jogado no ácido, porque o pai, mafioso, havia decidido colaborar com a Justiça.

Segundo a professora Dino, apesar de ser um líder importante dentro da máfia, nunca chegou a ser o “capo dei capi”, chefe dos chefes. “Era uma figura de primeiro plano, mas nunca comandou a cúpula, como fez Riina”, afirma. “Mas continuava uma referência importante, principalmente no que se refere à dimensão financeira da organização, por uma série de negócios que passavam por ele.”

Nos 30 anos em que esteve foragido, a máfia italiana passou por uma transição, preferindo, afirma Dino, a corrupção à AK-47 e a aliança com outros criminosos em vez da simples eliminação. As apurações sobre Denaro o ligam a negócios envolvendo setores como construção, saúde, turismo, obras de arte, energia eólica e transporte de lixo tóxico. O narcotráfico, que possibilitou o crescimento da organização nos anos 1970, ainda é uma atividade lucrativa. Mas no século 21 a regra é investir com diversidade e discrição.

Assim como outros grupos criminosos italianos que tiveram origem no sul, como a ‘Ndrangheta, da Calábria, e a Camorra, na Campânia, a Cosa Nostra opera em todo o território e, pelo menos desde a década de 1970, na América Latina. “São Paulo é a cidade onde há a maior presença de italianos fora da Itália. É mais fácil criar pontes e acordos com grupos criminosos locais”, diz Dino, citando Tommaso Buscetta, integrante da Cosa Nostra que foi preso no Brasil nos anos 1980.

A professora evita fazer comparações entre os grupos italianos, mas aponta um diferencial da Cosa Nostra em relação à ‘Ndrangheta e à Camorra -a sua “fortíssima conexão com o mundo da política”. Evidente, segundo Dino, nos atentados contra funcionários que festejavam o Dia do Trabalho nos anos 1940 e nos homicídios de autoridades entre 1992 e 1994. “Investigações recentes de outros crimes mostram elos com a direita subversiva, setores da maçonaria e serviços secretos.”

Por isso é grande a expectativa em relação ao que pode aparecer nas investigações sobre o material apreendido nos esconderijos de Denaro. “Por quem era composta sua rede de cúmplices?”, questiona Dino. “Já estão surgindo médicos, sujeitos da elite e, provavelmente, virão também políticos.”

Embora essa prisão possa levar a mudanças na máfia, se não houver avanços nas apurações a detenção de Denaro não representará uma ameaça para o futuro do grupo. “Ele não está sozinho. Faz parte de uma rede que vai continuar trabalhando. Sua prisão fecha uma época, mas não acaba com o ‘problema máfia’.”

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