(FOLHAPRESS) – Deputados do PT acionaram neste domingo (22) o MPF (Ministério Público Federal) com uma representação criminal contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e a ex-ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, pelo que eles veem como genocídio contra os povos yanomamis.
O ex-presidente reagiu em redes sociais e classificou as acusações de “farsa da esquerda”. Em publicação no Twitter, Damares também negou inação do governo anterior e afirmou que o problema de desnutrição entre crianças indígenas é um “dilema histórico”. “Não houve omissão”, escreveu.
O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) declarou emergência de saúde pública na Território Indígena Yanomami. Em viagem à região no sábado, o petista anunciou, em Boa Vista, auxílio aos habitantes da região e combate ao garimpo ilegal.
Região com 30 mil habitantes em Roraima, a Terra Indígena Yanomami tem atualmente crianças e idosos em estado grave de saúde, com desnutrição grave, malária e infecções respiratórias.
O cenário crítico na terra indígena motivou a decisão do Ministério da Saúde de decretar estado de emergência para combater a falta de assistência sanitária na região. A decisão, já em vigor, foi publicada em edição extra do Diário Oficial da União desta sexta (20).
Na viagem, Lula disse ter visto durante a semana fotos que o abalaram e que a situação encontrada foi de abandono. “Se alguém me contasse que aqui em Roraima tinha pessoas sendo tratadas de forma desumana, como vi o povo yanomami ser tratado aqui, eu não acreditaria”, disse o presidente.
Neste domingo, o petista também usou o termo “genocídio” para se referir à situação dos yanomamis. “Mais que uma crise humanitária, o que vi em Roraima foi um genocídio. Um crime premeditado contra os yanomami, cometido por um governo insensível ao sofrimento do povo brasileiro”, afirmou Lula em sua conta no Twitter.
A representação é assinada pelo atual líder do PT na Câmara, Reginaldo Lopes (MG), pelo futuro líder da bancada, Zeca Dirceu (PR), e pelos deputados Alencar Santana (SP) e Maria do Rosário (RS). O pedido de investigação foi protocolado na Procuradoria Regional da República no Distrito Federal.
“O povo yanomami vem sofrendo com gravíssimas violações aos seus direitos humanos, garantidos na Constituição Federal, e viveram nos últimos quatro anos uma situação de completo abandono pelos aparatos governamentais que possuem o dever legal de ampará-los”, diz o texto.
A representação pede a instauração de um procedimento de investigação criminal para apurar possíveis crimes cometidos por Bolsonaro e Damares, entre eles o de genocídio, propondo na sequência ações penais cabíveis.
No sábado, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, já havia dito que pretendia protocolar um ofício solicitando investigações sobre o caso. “Há fortes indícios de crime de genocídio e outros crimes, que serão apurados pela Polícia Federal, conforme ofício que enviarei na segunda-feira (23)”, escreveu no Twitter.
Na legislação brasileira, o crime de genocídio é definido pela intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso, por meio de atos como matar membros do grupo, causar lesão grave à integridade física ou mental, impedir nascimentos, efetuar a transferência forçada de crianças ou submeter intencionalmente o grupo a condições de existência capazes de ocasionar-lhe a destruição física total ou parcial.
Os deputados alegam que, para além das elevadas carências alimentares, diversas doenças se abateram sobre a comunidade indígena “sem que as autoridades ora representadas, quando tinham a responsabilidade e o dever constitucional de agir para evitar a tragédia, tenham adotado quaisquer providências”.
No Twitter, Damares disse acompanhar “com dor e tristeza” as imagens divulgadas do povo yanomami e classificou as acusações contra o governo anterior de “mentiras”.
Segundo ela, a política indigenista no governo Bolsonaro era responsabilidade de três ministérios: Educação, Saúde e Justiça. À sua pasta, disse Damares, cabia receber denúncias de violações de direitos dos indígenas e encaminhá-las às autoridades responsáveis.
“O MMFDH esteve ‘in loco’ inúmeras vezes para levantar informações. No auge da pandemia distribuímos cestas básicas. Enviamos ofícios aos órgãos responsáveis para solicitar atuação e recebemos relatórios das equipes técnicas, as quais informaram as providências tomadas”, disse a ex-ministra.
Entidades especializadas, porém, já relataram em diferentes ocasiões indícios de que, sob Bolsonaro, a Funai (Fundação Nacional do Índio) implementou uma política anti-indigenista, marcada pela não demarcação de territórios, perseguição a servidores e lideranças indigenas, somada a uma militarização de cargos estratégicos e a esvaziamento de quadros da entidade.
Um dossiê de 172 páginas foi produzido pelo Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) e pela INA (Indigenistas Associados – Associação de Servidores da Funai), apontando esvaziamento orçamentário, assédio institucional, alinhamento com a agenda ruralista e omissões na esfera judicial.
Além de sucatear a Funai, o governo Bolsonaro é acusado de ter propiciado a ampliação do garimpo ilegal em terras indígenas.
Em seu canal no Telegram, o ex-presidente compartilhou no sábado fotografias suas ao lado de indígenas e publicou dois textos listando medidas de sua gestão, como a vacinação contra Covid-19 nas aldeias.
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De 2020 a 2022, foram realizadas 20 ações de saúde que levaram atenção especializada para dentro dos territórios indígena”, afirma outro dos textos.
Ministério promete recrutar profissionais do Mais Médicos Neste domingo, o Ministério da Saúde, comandado por Nísia Trindade, anunciou que estuda acelerar a publicação de um edital do Programa Mais Médicos. O objetivo é recrutar profissionais formados no Brasil ou no exterior para ampliar, de forma permanente, o atendimento médico nos distritos sanitários indígenas, inclusive no que atende aos yanomamis.
“A medida é uma das ações da sala de situação, criada nesta sexta-feira (20), para apoiar ações de enfrentamento à desassistência sanitária dos povos que vivem no território yanomami”, informou a pasta.
O secretário de Atenção Primária à Saúde, Nésio Fernandes, explicou que o órgão tinha já um edital só para brasileiros, e as demais convocações -de brasileiros formados no exterior e estrangeiros- seriam feitas num segundo momento.
“Frente à necessidade de levarmos assistência à população dos distritos indígenas, especialmente aos yanomami, queremos fazer um edital em que todos se inscrevam de uma única vez”, disse o secretário. A ideia, segundo ele, é otimizar o trabalho e suprir o atendimento nos distritos indígenas.
“O Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami é um dos que mais carece de profissionais entre os territórios, com apenas 5% das vagas ocupadas. Por isso, a necessidade de um novo edital formulado já a partir desta semana, contemplando a necessidade da saúde indígena”, informou o ministério.