IGOR GIELOW (FOLHAPRESS) – A Rússia decidiu escalar a intensidade da Guerra da Ucrânia às vésperas de o conflito completar um ano, o que ocorrerá no próximo dia 24, e um dia após o presidente Volodimir Zelenski discursar no Parlamento Europeu para pedir mais ajuda militar.
Nesta sexta (10), lançou os maiores bombardeios contra a principal capital de Zaporíjia, província que anexou ilegalmente mas que não controla totalmente, e disparou uma nova onda de mísseis e drones contra a infraestrutura energética dos ucranianos.
Aparentemente, tudo converge para dar ao presidente Vladimir Putin algo a dizer no próximo dia 21, quando fará um discurso à Assembleia Federal da Rússia, o Congresso que reúne as duas Casas legislativas do país.
Os riscos crescem na mesma medida: também nesta sexta, a Ucrânia disse que dois mísseis de cruzeiro Kalibr usados na onda de ataques, disparados de uma fragata no mar Negro, cruzaram o espaço aéreo de dois países vizinhos: Moldova e Romênia, esta um membro da Otan (aliança militar ocidental) e sede de um grande contigente de soldados americanos.
Os moldavos confirmaram a informação e convocaram o embaixador russo a se explicar. Para alívio daqueles que temem uma escalada baseada em acidentes, a Romênia disse que seus sistemas de defesa detectaram o lançamento, mas que os mísseis passaram a 35 km de sua fronteira.
Moldova é um pequeno país ensanduichado entre a Ucrânia e a Romênia que tem um território controlado por separatistas pró-Rússia protegidos por tropas do Kremlin desde o fim da União Soviética. Mais de uma autoridade russa já disse que um objetivo de Putin na guerra seria conquistar toda a costa ucraniana para ligar o Donbass (leste russófono do país) àquela área, chamada Transdnístria.
Em campo, a ação mais chamativa nesta sexta ocorreu em Zaporíjia, capital da província homônima. Ali, pelo menos 17 mísseis de defesa antiaérea adaptados para ataque terrestre do sistema S-300 atingiram alvos, deixando a cidade no escuro. Não há ainda relato de vítimas, mas um membro do governo local, Anatolii Kurtiev, disse que foi o mais intenso ataque em toda a guerra.
Um analista militar russo, falando anonimamente à Folha de S.Paulo, notou que houve também um ataque semelhante a Kharkiv, a segunda maior cidade ucraniana, que chegou a ser assediada por tropas do Kremlin nas primeiras fases da guerra –mas elas recuaram em setembro, numa ofensiva surpresa de Kiev.
Para ele, isso pode sinalizar tanto um diversionismo, já que o governo Zelenski diz que a Rússia prepara uma ofensiva grande focada mais ao sul e ao leste, quanto uma ação de fato programada para tentar tomar a cidade.
Já Zaporíjia é um objetivo mais óbvio, dado que está na porção norte da província que os russos nunca ocuparam. No mais, assim como nas últimas semanas, combates mais intensos ocorrem no “moedor de carne” de Bakhmut, cidade que os russos parecem próximos de tomar e que poderá abrir o caminho para a conquista da metade da região de Donetsk -completando o controle virtual sobre todo o Donbass, já que Moscou domina a vizinha Lugansk.
Houve ataques com mísseis e drones em outros pontos, como a capital ucraniana. Eles seguem a lógica russa desde outubro, de intenso fogo sobre a infraestrutura civil do país, visando minar o apoio popular ao governo. O inverno do Hemisfério Norte está em pleno curso: nesta sexta, Kiev registrava 2 graus Celsius.
Qualquer avanço mais efetivo no Donbass sentido poderá ser colocado por Putin em seu discurso como evidência de algum sucesso, apesar do fato líquido de que sua invasão não colocou de joelhos Kiev nas primeiras semanas, como até os Estados Unidos acreditavam.
O mesmo analista militar é cauteloso, contudo, acerca de alguma grande revelação feita pelo presidente. Ele afirma que Putin gosta de causar suspense, mas exceto que decida dar-se por satisfeito e encerrar a guerra, terá de acelerar ainda mais suas ações para causar algum impacto.
Ao mesmo tempo, Moscou terá de enfrentar novas armas de longo alcance americanas prometidas aos ucranianos, embora tanques em quantidade efetiva estejam distantes e caças, apenas no campo da especulação.
As próximas duas semanas parecem ser vitais para o rumo da guerra de atrito estabelecida pelo Kremlin. As perdas humanas são grandes e a economia, que sobrevive ao draconiano regime de sanções ocidentais, apresenta sinais de estresse: houve um grande déficit fiscal em janeiro devido à imposição de limites de preço pago pelo barril de petróleo russo.
O problema em desenhar cenários neste contexto complexo é a impossibilidade de leitura do que de fato Putin quer, mesmo por analistas próximos do Kremlin como o russo que falou com a reportagem. Foram poucos os observadores sérios que acreditavam que ele iria além do blefe para pressionar o Ocidente a deixar a Ucrânia como uma área neutra, um ano atrás.
Assim, lembra o analista, tudo é possível até o dia 21, que não descarta um maior envolvimento da cooptada ditadura aliada de Belarus na guerra. Tudo, diz, inclusive nada.