IGOR GIELOW
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Apesar de as circunstâncias da queda de helicóptero que matou o presidente do Irã, Ebrahim Raisi, seu chanceler e outras autoridades no domingo (19) ainda serem desconhecidas, um fator contribuinte eventual para o acidente é claro: a obsolescência do modelo em que todos voavam.
Ela reflete o impacto de décadas de sanções dos Estados Unidos e outros países à teocracia instalada em 1979, ano em que a tomada da embaixada americana pelos radicais islâmicos em Teerã e a decorrente crise com reféns levou à primeira rodada de punições comerciais ao Irã.
Por evidente, não é possível colocar na conta do estado de manutenção do Bell 212 usado por Raisi a tragédia a esta altura. Pelas informações disponíveis, se não houve alguma ação externa contra a aeronave, ela se encontrava em um local montanhoso e com baixa visibilidade -o pesadelo de qualquer piloto de helicóptero.
Mas um modelo mais moderno, com sensores mais avançados, talvez pudesse ter evitado ir de encontro ao nevoeiro e o mau tempo, além de dar ao piloto uma noção mais clara do terreno à frente.
Por que Raisi ainda voava como antigo Bell 212, contudo, segue sendo um mistério. O país tem um acordo de cooperação militar com Vladimir Putin que fornecerá, entre outras coisas, helicópteros de ataque russos -nada impediria a venda de algum modelo de transporte adaptado para serviço VIP.
Ninguém sabe ao certo qual a exata aeronave de Raisi, apenas que havia três delas no ar quando o acidente ocorreu. A única compra conhecida do modelo pelo Irã aconteceu nos anos 1970, no ocaso do regime do xá Reza Pahlevi, derrubado pela Revolução Islâmica.
Em 1973, Teerã fez um grande acordo militar com então aliados americanos, comprando helicópteros e aviões de caça F-5 e F-4. Em 1976, tornou-se o único operador fora dos EUA a voar o potente F-14, aeronave que ganhou fama com “Top Gun”, do qual comprou 80 unidades.
O corte de relações com os EUA deixou essa frota órfã de peças de reposição e manutenção, levando a décadas de canibalização. Segundo o Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, em 2023 havia ainda 41 F-14 em condições de uso.
O poderio foi complementado por modelos soviéticos, e a última encomenda até o negócio do ano passado com a Rússia havia ocorrido em 1990, quando o Irã comprou 35 caças MiG-29 obsoletos de Moscou.
Não é certo, contudo, que os Bell 212 sejam daquela safra do xá. Em pelo menos duas ocasiões, nos anos 1990, tentativas de vendas clandestinas de peças e mesmo aparelhos americanos por terceiros países, driblando sanções de fornecimento ao Irã, foram identificadas.
Seja como for, é provável que o Bell faça parte de um lote de dez aparelhos fornecido à Marinha iraniana. O modelo, uma versão com duas turbinas do antigo Bell 205 Huey, que fez fama na Guerra do Vietnã, é usado hoje ainda por forças policiais em outros 11 países.
Ele foi produzido de 1968 a 1998, primeiramente nos EUA e, depois, no Canadá. Tem alcance de 439 km e pode levar 14 passageiros, além do piloto. É uma aeronave robusta, honrando sua origem militar, mas básica para os padrões de aviônica atuais.
Ao longo dos anos, os iranianos buscaram formas de se adaptar às sanções, que proíbem entre outras coisas o fornecimento de tecnologia americana para o país. O acordo nuclear de 2015 deu uma pausa relativa ao arranjo, com os europeus signatários aproveitando a janela para anunciar a venda de aviões comerciais da Airbus para Teerã.
Quando Donald Trump deixou em 2018 o acordo, que visava impedir que os aiatolás desenvolvesse a bomba nuclear, o negócio engasgou, já que cerca de 10% das peças do popular modelo A320 são americanas.
De todo modo, Teerã adaptou-se como pôde, mas sempre no campo militar. Seus antigos F-5 foram transformados em um novo modelo, e a sua indústria de drones prosperou a ponto de o país ter se tornado fornecedor de aviões-robôs kamikaze para a Rússia.
Já na aviação civil, os riscos associados à manutenção feita de forma improvisada seguem no ar, como talvez o próprio Raisi tenha provado.
O caso é um conto cautelar para Putin. Apesar de ter uma indústria aeroespacial própria e capaz, há limitações de emprego civil e os parceiros chineses pularam fora de uma associação com Moscou no setor.
Centenas de aviões da Boeing e da Airbus seguem voando na Rússia, com a manutenção sendo feita quando muito em países vizinhos ou com improvisos, como a impressão 3D clandestina de peças, deixando para a sorte parte da confiança na segurança aeronáutica do país.