IGOR GIELOW (FOLHAPRESS) – O Ministério da Defesa da Rússia anunciou nesta sexta (13) que suas Forças Armadas tomaram a estratégica cidadezinha de Soledar, em Donetsk, proporcionando um trampolim estratégico para tentar controlar toda a província no leste da Ucrânia.
Ainda há alguns pontos de resistência relatados na cidade, mas o silêncio de Kiev sobre o tema indica que Soledar caiu mesmo. Quem não se calou, contudo, foi o poderoso líder do grupo mercenário russo Wagner, escancarando uma crise militar sob as asas de Vladimir Putin.
Ievguêni Prigojin havia postado uma foto dentro de uma das minas de sal que fazem a fama da vila, que tinha 10 mil habitantes antes da guerra, na quarta (11), clamando tê-la tomado somente com suas forças -compostas por muitos condenados retirados de cadeias russas.
O “chef de Putin”, apelido do tempo em que sua empresa cuidava dos serviços de alimentação do Kremlin, divulgou uma nota inusual após o anúncio do ministério liderado por seu rival Serguei Choigu, que em nenhum momento cita o Wagner.
“Eles constantemente tentam roubar a vitória do Grupo Wagner, e tentam diminuir seus méritos. Lutas internas, corrupção, burocracia e autoridades agarradas a suas cadeiras são uma ameaça significativa para a existência [do grupo]”, disse.
Na quarta, Prigojin viu um aliado, o general Serguei Surovikin, perder o posto de comandante da campanha militar russa para o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, Valeri Gerasimov -um dos principais alvos do “chef de Putin” e de outro expoente da linha dura com forças próprias na Ucrânia, o líder tchetcheno Ramzam Kadirov.
A mexida é mais política do que militar, tanto que Surovikin permanece na guerra como 1 dos 3 adjuntos de Gerasimov. De quebra, Putin tem agora uma figura de proa da Defesa para culpar se as coisas derem errado.
Outra avaliação é que o novo chefe, que é o número 3 das Forças Armadas após o presidente e o ministro, tem maior envergadura como autoridade caso as forças da ditadura de Belarus, ao norte da Ucrânia, entrem na guerra ao lado da Rússia –como diversos movimentos nas últimas semanas sugerem.
O tratamento dispensado ao Grupo Wagner, visto como brutal mas de eficiência tática questionável na Ucrânia, mostra que Putin segue com sua política de estimular rivalidades entre os subordinados, permanecendo numa posição imperial.
Politicagem à parte, a conquista de Soledar, se confirmada, é uma vitória importante para os russos não só pelo controle das ricas minas de sal do local. A partir dali, será possível em tese cortar o suprimento das forças ucranianas em Bakhmut, uma cidade dez vezes maior que fica 15 km a sudoeste de lá.
Desde outubro, Bakhmut é o centro do que os militares ucranianos chamam de moedor de carne de Donetsk, com baixas altíssimas de lado a lado. A cidade, diz o presidente Volodimir Zelenski, foi reduzida a ruínas.
Se cair, as chances de Putin conquistar os talvez 45% restantes de Donetsk que não estão em suas mãos crescem muito, na avaliação do analista militar Ivan Barabanov, de Moscou. A região é 1 das 4 anexadas ilegalmente pelo Kremlin em setembro, e compõe com Lugansk o Donbass, a área mais russófona da Ucrânia depois da Crimeia –esta absorvida pela Rússia em 2014.
Nem todo mundo pensa assim. O analista Michael Kofman, do think-tank CNA (Arlington, EUA), diz que o custo em vidas e material da ofensiva pode exaurir o esforço russo, apesar do influxo gradual dos 320 recrutas convocados no fim do ano passado. Por outro lado, aponta, o mesmo pode acontecer com os ucranianos, que não têm tal capacidade de mobilização.
“Mesmo que Bakhmut e Soledar caiam, isso não terá impacto estratégico na guerra em si e não irá parar os ucranianos”, afirmou o porta-voz do Conselho de Segurança Nacional americano, John Kirby, na quinta (12). Ele pode estar certo em sua primeira asserção, mas a segunda é torcida: Kiev tem tido dificuldades de avançar desde que teve uma série de vitórias entre setembro e dezembro.