IGOR GIELOW
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A Rússia aposentou de forma definitiva o submarino Dmitri Donskoi, último remanescente da maior classe de submarinos já construída. Os Akula (tubarão em russo), mais conhecidos por sua designação ocidental Typhoon (tufão, em inglês), foram uma das armas mais formidáveis e temidas do ocaso da Guerra Fria.
A informação foi divulgada nesta semana pela agência de notícias Tass, segundo a qual os dois reatores nucleares da embarcação esgotaram sua capacidade de operação. A troca por novos sistemas é, segundo fontes da Marinha ouvidas, inviável economicamente.
É o fim de uma era naval, já anunciado quando os russos descomissionaram o Dmitri Donskoi do serviço ativo na Frota do Norte, em fevereiro deste ano. O navio, contudo, permanecia com capacidade operacional. Ele se junta agora aos outros dois Typhoon já aposentados que ainda não haviam sido desmantelados nos estaleiros de Severodvinsk, norte do país.
Desde 2002, o submarino era usado para testes de novos mísseis, notadamente o Bulava, hoje padrão na frota de 11 modelos de propulsão nuclear capazes de lançar ogivas atômicas mundo afora. Fora a Rússia, têm tal capacidade os EUA (14 embarcações), China (6), Reino Unido (4), França (4) e Índia (1).
O Typhoon, contudo, é um animal à parte. Com 48 toneladas de deslocamento submerso, é duas vezes mais pesado do que o segundo colocado, os titulares atuais da frota russa, da classe Borei. Em terceiro vêm os americanos da classe Ohio, em uso, com 18,7 toneladas. Modelos de propulsão convencional e função de ataque tático são muito menores: a classe brasileira Riachuelo desloca 1,8 tonelada.
Os seis submarinos Typhoon construídos, lançados ao mar de 1981 a 1989 pela União Soviética, carregavam 20 mísseis com 10 ogivas independentes de 100 quilotons (quase 7 vezes a potência da bomba de Hiroshima) cada. A tripulação era composta por até 160 marinheiros, e havia até sauna e uma pequena piscina a bordo.
O Dmitri Donskoi havia sido o primeiro da classe, construído a partir de 1976, como uma resposta aos modernos Ohio americanos. Suas capacidades nunca foram completamente conhecidas no Ocidente, o que gerou uma aura de arma invencível em torno do submarino na Guerra Fria.
Tanto foi assim que os Typhoon viraram a base do mais famoso filme de submarino de Hollywood, “A Caçada ao Outubro Vermelho” (John McTiernan, 1990), baseado em um best-seller do escritor de thrillers de espionagem Tom Clancy lançado em 1984. O Outubro Vermelho era um Typhoon modificado para receber um sistema de propulsão ultrassilencioso que nunca existiu.
O Dmitri Donskoi tem 175 metros de comprimento, quase 1,7 campo de futebol, sendo superado nesse quesito apenas pelo russo Belgorodo, que tem 184 metros e foi ao mar em 2022. Mas o Belgorodo é uma embarcação experimental para testes secretos, adaptada de um modelo da classe Oscar-2, originalmente com 155 metros, e é menos pesado do que o Typhoon, podendo deslocar 30 mil toneladas.
Esse modelo poderá ser colocado em operação no Pacífico como o primeiro a operar os chamados “torpedos do Juízo Final”, o Poseidon –armas autônomas capazes de levar uma grande ogiva nuclear a mais de 10 mil km sob as águas.
A classe Typhoon causava temor entre americanos e aliados, mas teve uma vida útil relativamente calma. O único incidente conhecido foi a explosão de um míssil em seu tubo de lançamento durante um teste em 1991 no barco Arkhangelsk, 1 dos 2 que ainda estão flutuando nas docas de Severodvinsk.
A última aparição oficial do Dmitri Donskoi foi no Dia da Marinha Russa de 2017, quando foi da base no Ártico até São Petersburgo para o desfile naval tradicional da data. Para alívio do Ocidente, nunca foi empregado para a missão inicial de retaliar o bombardeio do solo soviético/russo –ou, como estrategistas mais paranoicos especulavam, um primeiro ataque surpresa.