Rússia tem interesses no Ártico, diz Kremlin sobre fala de Trump

(FOLHAPRESS) – A Rússia tem interesses estratégicos na região do Ártico, afirmou o Kremlin ao comentar as falas de Donald Trump acerca de comprar a Groenlândia da Dinamarca, anexar o Alasca e retomar o controle do canal do Panamá.

 

“Estamos acompanhando bem de perto os bastante dramáticos desenvolvimentos da situação, mas até aqui, graças a Deus, no nível de declarações”, disse nesta quinta (9) o porta-voz de Vladimir Putin, Dmitri Peskov.

“O Ártico [que abrange partes do Canadá e da Groenlândia] é uma zona de nossos interesses nacionais, nossos interesses estratégicos. Estamos interessados em preservar a atmosfera de paz e estabilidade na zona ártica”, afirmou.

O comentário comedido acerca das incendiárias diatribes de Trump, condensadas em uma entrevista na terça (7), reflete o jogo de espera pela posse do novo presidente. Na mesma entrevista em que expressou ambições expansionistas, o americano disse que compreendia os motivos pelos quais Putin invadiu a Ucrânia em 2022.

Ele se referia especificamente ao avanço da Otan, aliança militar liderada pelos EUA, sobre o país do Leste Europeu. A admissão de Kiev ao clube foi levantada em 2008 e, desde então, combatida primeiro com falas, depois com apoio a governos pró-Rússia, a anexação da Crimeia e suporte a separatistas na guerra civil iniciada em 2014 e, por fim, o conflito total.

Trump diz que quer colocar os dois lados para conversar e encerrar a guerra. Toda terminologia usada até aqui é desfavorável aos ucranianos, e Putin tem usado o bom momento militar desde 2024 para consolidar suas posições e avançar mais sobre as áreas que anexou mas não controla no leste e sul do vizinho.

Isso não significa que os russos o veem como um parceiro confiável, dado seu histórico mercurial. A imprensa estatal do país de Putin foi inundada de comentários sugerindo que a intenção de Trump não deve ser tratada como mera galhofa.

Pesa nisso a realidade: os EUA, por exemplo, já tentaram comprar a Groenlândia em outras ocasiões, pelo seu valor estratégico militar -os americanos têm lá sua principal base de monitoramento espacial de lançamentos de mísseis. A mudança climática adicionou outro item de cobiça, o acesso a vastos recursos minerais do país que emergem da calota de gelo em derretimento.

De quebra, o Ártico há muito é prioridade nacional russa, não menos por ser o caminho mais curto para um ataque com mísseis nucleares contra ou vindo dos EUA. A militarização recente da região sempre preocupou a Otan, que reagiu reforçando patrulhas a partir da Noruega.

Mais importante, contudo, é a questão econômica. O fato de que o gelo ártico tem virtualmente desaparecido nos verões, com o aquecimento global, abriu rotas comerciais para portos russos que precisam usualmente de quebra-gelos para viabilizar o caminho de navios.

Se o comércio com o Ocidente, que seria facilitado pela proximidade dada pela curvatura da Terra na área, está travado devido à guerra, o caminho para portos chineses é considerado vital. Além disso, a exemplo da questão da Groenlândia, a já existente exploração de hidrocarbonetos do Ártico ficou ainda mais favorecida.

Peskov não falou diretamente sobre Panamá e Canadá. Todos os governos envolvidos na fala de Trump, que causou grande barulho no mesmo dia em que a Meta de Mark Zuckerberg alinhava sua política de mediação de redes sociais à visão do novo presidente, protestaram.

Parceiros europeus de Washington, como França e Alemanha, tomaram as dores de Copenhague e também se queixaram das falas, mas de forma cautelosa. “A Europa reage de forma tímida, e é claro que está com medo de reagir às palavras de Trump. Logo, reage quase com um sussurro”, tripudiou Peskov.

Nesta quinta, a premiê italiana, Giorgia Meloni, uma política surgida do populismo trumpista mas que faz um governo bem mais equilibrado do que se imaginava, saiu em defesa do americano. Disse que os EUA não irão usar força militar contra a Groenlândia, como o presidente eleito sugeriu na entrevista de terça.

Leia Também: Entenda as ameaças de Trump ao Canadá, Groenlândia e Panamá

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