(FOLHAPRESS) – O relógio marcava 5h quando os fogos de artifício riscaram um céu ainda escuro no Rio Vermelho, em Salvador. Mas as ruas e praias do bairro já estavam lotadas de devotos, que aproveitavam os primeiros raios de sol para deixar suas oferendas para Iemanjá.
A alvorada marcava a chegada do presente principal para a orixá, produzido pelo terreiro Ilê Axé Oxumarê. Homens e mulheres se uniram para carregar o andor no qual, embaixo de um pano branco, estava um cesto nas cores azul e branco apinhado de flores e com uma escultura em forma de estrela-do-mar.
Em clima de religiosidade e devoção, a festa voltou a tomar as ruas de Salvador neste 2 de fevereiro, Dia de Iemanjá, depois de um hiato de três anos. A colônia de pescadores do Rio Vermelho foi, mais uma vez, o palco central da principal festa religiosa de matriz africana do país.
“Este ano celebramos 100 anos da entrega do presente para Iemanjá. É um ano reverenciado pelas iabás, que são as orixás mulheres, com Ogum abrindo os caminhos”, disse Robson do Agogô, filho de santo do Ilê Ibece Alaketú e um dos responsáveis por conduzir o presente para a celebração.
Nas primeiras horas da manhã, o público se reuniu no entorno da colônia de pescadores, onde o povo de santo do candomblé celebrava Iemanjá com cânticos acompanhados por atabaques e cornetas. Devotos que acompanhavam a celebração entregavam flores e derramavam alfazema sobre o presente.
Fiéis faziam filas para entrar na Casa de Iemanjá, que também faz parte da colônia de pescadores, para rezar e reverenciar as dezenas de imagens da divindade africana que compõem o altar do local.
Neste ano, uma imagem de 1,4 metro de uma Iemanjá negra, feita pelo artista plástico Rodrigo Siqueira, foi incorporada ao acervo. Mas, por decisão dos pescadores, ela não ocupou o lugar central do altar, onde permaneceu a imagem original que remete ao sincretismo com a Nossa Senhora dos Navegantes.
Ainda assim, a nova escultura foi reverenciada por parte dos fiéis, que ornaram a peça com colares e flores brancas.
No entorno da colônia de pescadores, era grande o movimento de devotos e de grupos culturais que desfilavam pelas ruas do Rio Vermelho desde a madrugada. Por volta das 4h30, o bloco afro Os Negões despontou na avenida em frente à praia da Paciência com seus tambores.
Um pouco mais tarde, grupos se uniram à “Romaria dos Capoeiras”. Ao som dos berimbaus, pandeiros e atabaques, formaram rodas de capoeira, atraindo a atenção do público.
Nas praias, devotos lotavam a faixa de areia e as pedras para jogar no mar as oferendas para Iemanjá, sobretudo flores. Barqueiros levavam grupos de turistas para deixar os presentes em áreas mais distantes da rebentação.
A tradição da entrega do presente à orixá no Rio Vermelho foi iniciada em 1923, após um ano de pouca fartura. Na ocasião, um grupo de pescadores decidiu consultar os orixás por meio dos búzios para entender a falta de peixes. Foram orientados a pedir ajuda e presentear Iemanjá.
Desde então, a entrega do presente se repete todo 2 de fevereiro, em uma festa reconhecida como Patrimônio Cultural de Salvador. Neste ano, o tema da festa no Rio Vermelho é “Odoyá, 100 anos de Festa e Reverência a Iemanjá”.
Ao longo de todo o dia, a colônia de pescadores receberá os fiéis que quiseram deixar oferendas à orixá. No final da tarde, os presentes serão levados por pescadores em uma embarcação para o “Buraco de Iaiá”, local que fica a 7,5 quilômetros da costa e que é considerado sagrado pelos pescadores.
Além da parte religiosa, a festa é marcada pela apresentação de bandas de sopro e percussão e grupos folclóricos pelas ruas do Rio Vermelho, além de festas privadas em bares e casas de show.