SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em novembro do ano passado, o vídeo de um ex-mercenário russo sendo brutalmente executado com uma marreta começou a ser distribuído pelo aplicativo de mensagens Telegram.
O homem, que se identificava como Ievguêni Nujin, 55, aparece na filmagem com a cabeça colada a uma parede de tijolos.
Ele diz que foi sequestrado no mês anterior em Kiev, capital da Ucrânia, e levado para o local.
“Fui atingido na cabeça, perdi a consciência e vim para este porão”, diz ele. “Eles me disseram que eu seria julgado.” Ao dizer essas palavras, um homem em trajes de combate acerta uma marreta na lateral de sua cabeça. Nujin desaba no chão antes de o agressor desferir outro golpe.
Procurado pela agência de notícias Reuters para comentar o vídeo na época, o líder do Grupo Wagner, Ievguêni Prigojin, não tentou dissociar sua empresa paramilitar do episódio. “Um cachorro recebe a morte de um cachorro”, afirmou o mercenário. “Nujin traiu seu povo, traiu seus companheiros conscientemente.”
“Toda a nossa família chorou assistindo ao vídeo. Ele foi assassinado como um animal”, afirmou ao jornal britânico The Guardian Ilia Nujin, filho de Ievgueni. O homem executado cumpria uma sentença de 24 anos por um assassinato que cometeu em 1999, mas saiu da prisão no final da sua pena para combater na Ucrânia. Capturado por Kiev em dezembro, o russo deu entrevistas afirmando que havia se unido ao grupo para conseguir sua liberdade e logo começou a pensar em planos para se render ao país adversário.
Ao longo da Guerra da Ucrânia, forças mercenárias participaram de diversas ações. A de Prigojin, fundada em 2014, notabilizou-se pelo emprego de condenados. O recrutamento de detentos, interessados em posterior indulto, é criticado por organizações de direitos humanos, mas foi essencial para a estratégia de Moscou na guerra –no fim do ano passado, o contingente do Wagner foi estimado em até 50 mil homens, lutando principalmente pela tomada de Bakhmut, em maio.
As vitórias, porém, tiveram um custo para o presidente russo, Vladimir Putin, que viu o antagonismo entre a sua cúpula de Defesa e o mercenário se acentuar cada vez mais, até chegar a um motim no último fim de semana. As forças de Prigojin ocuparam prédios administrativos e um quartel-general na região de Rostov-do-Don, no sul da Rússia, antes de serem desmobilizadas.
A empresa de Prigojin expandiu sua atuação na África e no Oriente Médio, locais em que enfrenta as mesmas acusações de crimes de guerra e violações de direitos humanos. Em abril, ONGs cobraram internacionalmente respostas do regime do Mali após a morte de 200 a 300 pessoas em uma ação contra radicais islâmicos na região central do país. A principal suspeita é de que o Wagner, contratado pelo regime, tenha participado da operação.
Na República Centro-Africana, um relatório da ONU do ano passado registrou que grupos armados russos ajudaram o governo em casos de uso excessivo da força, assassinatos de civis, ocupação de escolas e saques em grande escala. Já na Síria, que lida com uma guerra civil há mais de uma década, a ONG Human Rights Watch divulgou em 2020 que Prigojin estava entre as pessoas que poderiam ser responsabilizadas por violações aos direitos humanos no conflito.
Também recaem sobre o grupo suspeitas de casos de violência contra jornalistas. Três repórteres russos que foram à República Centro-Africana investigar suas atividades foram mortos em circunstâncias misteriosas. Em Moscou, o agora proscrito jornal Novaia Gazeta teve uma cabeça de bode cortada entregue em sua porta após publicar reportagem sobre o Wagner.
Antes rejeitado pela brutalidade, o Wagner saiu do anonimato somente em setembro passado, quando Prigojin admitiu ter fundado a empresa. Desde então, a empresa ficou com os louros de conquistas na guerra e o martelo virou a marca do grupo. Em janeiro, Serguei Mironov, um político russo de alto escalão, publicou uma foto sua segurando uma marreta dada a ele pelo Wagner –uma aparente retribuição do grupo pelo seu apoio.
“Esta é uma ferramenta útil. Com sua ajuda, vamos acabar com a ideologia nazista que visa destruir nosso país”, afirmou, ecoando o mesmo argumento apresentado pelo Kremlin como justificativa para a invasão da Ucrânia.
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