Transição incerta começa após queda da ditadura na Síria

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O primeiro dia da Síria após a queda da ditadura de Bashar al-Assad foi marcado pelo início de uma promissora transição política, mas também por tensões renovadas e incertezas inerentes à complexa a uma nova realidade que emergiu de meros 12 dias de campanha militar.

 

Nesta segunda (9), o premiê do regime deposto, Mohammed Jalali, aceitou transferir o controle da administração para o chamado Governo de Salvação -uma federação de grupos oposicionistas liderada pela radical islâmica HTS (Organização para a Libertação do Levante) que controlava Iblid, no norte do país.

As tropas da HTS lideraram o assalto que tomou em sequência todas as mais importantes cidades sírias: Aleppo, Hama e Homs, antes de chegar a Damasco -de onde Assad, no poder desde 2000 e enfrentando guerra civil iniciada 11 anos depois, fugiu para Moscou no domingo.

Em outra sinalização positiva, os rebeldes postaram no Telegram que as Forças Armadas de Assad terão anistia completa, algo difícil de acreditar dada a amarga violência que marcou os anos do conflito no país.

Mesmo a promessa de transição precisa ser lida com cautela: o líder da HTS, que retomou seu nome real Ahmed al-Sharaa, diz que vai partilhar poder, mas não deu nenhuma pista de como isso será feito e como serão tratados os curdos, importante minoria que controla um bom pedaço do nordeste sírio e tratada como terrorista pela Turquia.

Uma evidência da tentativa de acomodação foi dada no começo da noite, com o relato de que um acordo entre Ancara, que patrocinou a HTS e outros rebeldes no avanço final contra Assad, e Washington acerca da desocupação por parte dos curdos apoiados pelos EUA da cidade de Manbij (norte).

A situação, contudo, segue fluida. Israel não esperou declarações e, temendo que mísseis balísticos e armas químicas caiam nas mãos de jihadistas a poucos quilômetros de suas fronteiras, iniciou uma campanha aérea já no domingo.

Ela se expandiu com mais ataques nesta segunda e com a invasão da zona desmilitarizada junto à fronteira entre a Síria e as Colinas de Golã, que os israelenses anexaram do vizinho em 1967. Tel Aviv diz que é apenas um movimento preventivo, mas há relato de que a Rússia cedeu a Israel dois postos na região também.

Moscou, maior derrotada depois do Irã pela queda do aliado, seguiu com um tom pragmático, afirmando que ainda não é hora de negociar, mas que quer conversar com o novo governo acerca do destino de seus ativos militares na região, resquício da intervenção que salvou Assad em 2015.

A base aérea de Hmeimim e o porto de Tartus têm grande valor estratégico para Vladimir Putin, e segundo redes árabes há a promessa dos rebeldes de manter o arrendamento de 49 anos dado aos russos por Assad dos locais em 2017.

Segundo as agências de notícias, em Damasco o clima prevalente foi de calma nesta segunda. Os moradores foram normalmente às ruas, embora houvesse muitas lojas fechadas. O Banco Central emitiu nota dizendo que o dinheiro de correntistas estava a salvo.

Os bancos irão reabrir nesta terça (10), assim como a maior parte dos escritórios. Vários prédios do governo, contudo, foram saqueados ou depredados, incluindo o palácio presidencial de Assad.

A transição, segundo Jalali, pode durar dias. Ele encontrou-se na madrugada com Al-Sharaa, que era conhecido pelo nome de guerra Abu Mohammed al-Golani, e com o vice-presidente do antigo regime, Faisal Mekdad.

A queda de Assad pôs fim a quase 54 anos de dinastia familiar, inaugurada por seu pai, Hafez. Ambos foram líderes seculares com ideias modernizantes, representando contudo uma minoria religiosa no país, os alauitas.

Ao lado do progresso esposado por eles vinha a brutalidade ímpar com adversários. Com os protestos contra seu governo em 2011, Assad pesou a mão e entrou em uma guerra civil que matou talvez 500 mil pessoas e deslocou mais de 12 milhões, segundo a ONU.

Muitos dos que deixaram o país já fazem as contas para voltar para casa. Havia filas na fronteira do país com a Turquia nesta segunda, e governos como o da Alemanha já paralisaram a análise de novos pedidos de refúgio.

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