SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Uma transição pacífica e a formação de um governo de transição verdadeiramente representativo do conjunto de forças na Síria são a condição para que os rebeldes que derrubaram a ditadura de Bashar al-Assad deixem de ser classificados como terroristas.
O recado foi dado nesta terça (10) pela ONU, que raramente designa grupos como terroristas, e pelos Estados Unidos, que são criticados por ter um critério bastante amplo na hora de usar a denominação.
Em 2015, a resolução 2245 do Conselho de Segurança das Nações Unidas sobre a guerra civil síria iniciada em 2011 dizia que a Frente Nusra, guarda-chuva da rede Al Qaeda no país árabe, era uma organização terrorista.
Em 2016, a HTS (Organização para a Libertação do Levante), que comandou a ofensiva que tomou Damasco após meros 12 dias de combates, deixou a Nusra para depois comandar o governo da região rebelde de Idlib.
Em nenhum momento, contudo houve renúncia a princípios jihadistas da organização. Seu líder, Ahmed al-Sharaa, tem insistido em vender uma versão moderada, tanto que passou a adotar seu nome real em postagens no Telegram.
Antes, ele se autodenominava Abu Mohammed al-Jolani, ou al-Golani, numa referência à guerra santa para retomar as Colinas de Golã, anexadas por Israel em 1967. Além disso, a transição de poder tem mostrado sinais positivos, ainda que com várias interrogações, acerca do futuro do governo sírio.
“Nós temos de ser honestos e olhar aos fatos. Já se passaram nove anos desde a resolução e a realidade até aqui é de que a HTS e outros grupos armados têm enviado boas mensagens de unidade e inclusão ao povo sírio. Em Hama e Aleppo, houve coisas tranquilizadoras em campo”, disse Geir Pedersen.
O norueguês é o responsável, na ONU, por assuntos relativos à Síria. Durante entrevista em Genebra, ele se referia às duas cidades conquistadas antes de Damasco pela HTS, na qual há sinais de partilha de poder com outros grupos opositores a Assad.
Os Estados Unidos, que também classificam a HTS como terrorista, foram na mesma linha. “A HTS está usando as palavras certas, mas nós vamos julgá-los por suas ações”, disse o Departamento de Estado.
Na véspera, o premiê britânico, Keir Starmer, havia dito na Arábia Saudita que era “muito cedo” para tirar o rótulo da HTS, mas que “nós temos de trabalhar para garantir que esta seja uma oportunidade pacífica para a Síria”.
Seu chanceler, David Lammy, disse à Câmara dos Comuns em Londres que o Reino Unido “irá julgar a HTS por suas ações, monitorando de perto como eles e outros atores tratam os civis nas áreas que controlam”.
A Rússia, por sua vez, não falou em mudar a classificação, mas disse que deverá conversar com quem estiver no poder em Damasco acerca da sensível questão de suas bases na Síria. Vladimir Putin salvou a governo de Assad com uma intervenção militar em 2015, ao lado do Irã, e Moscou foi o destino anunciado do exílio do ditador.
A movimentação mostra cautela natural, dada o histórico da HTS e dos grupos beligerantes na Síria em geral. Os sinais iniciais, como disse Pedersen, não são negativos. Na capital, o antigo premiê não foi executado e sim passou o cargo para o chefe de governo de Idlib, Mohammed al-Bashir, numa transição inicial até março.
Há poucos detalhes, contudo, sobre como seria a partilha de poder e, principalmente, o papel do Curdistão no jogo. A região ocupa o nordeste sírio e é autônoma, só que a Turquia, que bancou a ofensiva da HTS, quer ver seus rivais curdos desarticulados.
Como fazer isso sem incitar novos combates e a retomada da guerra civil é uma dúvida. Outro ponto são os militares: a HTS prometeu anistia a todos eles, mas Al-Sharaa diz que irá fazer uma lista de criminosos de guerra do regime, começando por altos oficiais que deram ordens de tortura.