IGOR GIELOW
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O tabuleiro diplomático da Guerra da Ucrânia sofreu um movimento brusco nesta semana, uma das mais agitadas desde que foram para o ralo as negociações iniciais de paz entre os invasores russos e Kiev, em 2022.
Uma avaliação mais realista do quadro revela que, passados os anúncios bombásticos de lado a lado, as peças podem acabar a rodada no mesmo lugar. Ou seja, com a Rússia avançando lentamente, enquanto a Ucrânia enxuga gelo no campo de batalha com mais agressividade assimétrica.
O lance mais importante foi a adoção pelos Estados Unidos de sanções mais amplas contra o sistema financeiro russo, fechando o mercado primário de dólar e euro no país. O objetivo é punir chineses e outros que façam negócios com Moscou.
Até aqui, a Rússia conseguiu driblar esses mecanismos. Logo, o impacto real da ação da quarta (12) ainda terá de ser avaliado.
Na quinta (13), veio o pacote mais vistoso de apoio aos ucranianos, do ponto de vista midiático. Os EUA assinaram um pacto de cooperação militar de dez anos que, no papel, coloca o país europeu no nível de Israel em termos de parceria.
Diferentemente da relação entre Washington e Tel Aviv, não há no documento a previsão de financiamento anual. Tudo terá de ser aprovado ponto a ponto pelo Congresso, e os seis meses perdidos para Kiev neste ano com a carnificina entre republicanos e democratas em torno do apoio militar à Ucrânia sugerem dificuldades.
Elas crescem à medida que se aproxima a eleição presidencial americana de novembro. Para piorar, se Donald Trump derrotar Joe Biden, é provável que a cláusula que permite a cessação do acerto militar com um aviso prévio de seis meses será avocada pelo republicano, como ele fez em 2018 com o acordo nuclear iraniano.
O outro anúncio, de US$ 50 bilhões em ajuda a ser financiada pela apropriação dos juros que as reservas congeladas de Putin renderem, também esbarra na realidade. Já nesta sexta a aliança militar Otan disse que não poderia se comprometer com um cronograma de envio de armas.
O motivo é a incerteza acerca do mecanismo. EUA prometem tirar metade da bolada do bolso, enquanto outros países do G7 entrariam com o restante, mas há dúvidas internacionais acerca da legalidade daquilo que o Kremlin chama de roubo.
Politicamente, há ônus também. Como Putin mesmo disse nesta sexta, a partir de agora todo país que tem reservas na Europa deve temer por elas caso caia em desgraça com os EUA e seus aliados.
Esse tipo de fala ressoa no chamado Sul Global, termo impreciso para países que evitam alinhar-se automaticamente a Washington ou a Pequim, os polos da geopolítica do século 21.
Sem surpresa, integrantes do grupo como o Brasil e a Turquia, além de obviamente a China aliada de Putin, não estarão entre as cerca de 90 nações que se reúnem à beira do lago próximo de Obbürgen, na Suíça, neste sábado (15) e domingo (16). O Itamaraty apenas enviará sua embaixadora local como observadora.
O evento se vende como uma conferência de paz, mas não convidou um dos beligerantes, a Rússia. Seu apelo foi limitado: Biden não irá, enviando sua vice, e cerca de 70 países declinaram do convite. A Índia, estrela do tal Sul Global anunciada com pompa por Volodimir Zelenski, não terá seu premiê presente.
Nesse sentido, é inócuo no propósito, e servirá para Kiev galvanizar o apoio com o qual já conta. Para o presidente ucraniano, será uma oportunidade de repassar os dez pontos que apresentou no fim de 2022 como condições para a paz, na realidade uma lista de exigências inexequível aos olhos russos.
Putin aproveitou para fazer o mesmo nesta sexta. Pela primeira vez desenhou sua proposta para o fim da guerra, como forma de responder à falta de convite suíça e aos anúncios da semana.
Como seria previsível, ela foi rejeitada por Kiev pois prevê neutralidade formal e a entrega de mais de 20% de seu território. Ao fazer uma oferta inaceitável, o russo envia uma sinalização aos EUA acerca de sua disposição de conversar, embora pouco deva mudar na prática agora.